01 Dec
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O verdadeiro terror experimentado pelas grandes telas da Sétima Arte consiste naquele que permite ao telespectador poder construí-lo diante das cenas projetadas. Ao contrário, quando ele é dado gratuitamente, sem envolver aquele que assiste, o experimento se rarefaz e o resultado que temos é de pequenas cenas tomadas de horror repugnante do sangue em excesso ou daqueles sustos medonhos, mas passageiros. Esse terror, fruto de uma experiência, resultado de uma construção é o que vem se consolidando como o terror psicológico, no qual, nomes como James Wan e Mike Flanagan vem se destacando e com obras impecáveis. 

Noite passada em Soho, de Edgar Wright se propõe ser um drama que explora esse tipo de terror. Com uma narrativa bastante concentrada, Wright faz da trama um emaranhado de sensações que vão desde a inocência perdida da garota que sai do interior para tentar o sonho grande na capital, até o drama da violência machista e das condições subumanas de quem vive entre arranha-céus sentindo-se uma formiga em meio a elefantes. Com referências musicais, da moda e ambientação de uma Londres de 1960, passado e futuro se digladiam nas cenas de Noite passada em Soho, entregando ao público uma história tensa de muito horror e, claro, aquele jogo de cores que é a marca identitária do cineasta. 


O labirinto emocional 

Eloise Turner (Thomasin McKenzie) recebe a grande chance de poder cursar moda numa universidade de Londres. Em busca do seu grande sonho, ela deixa o interior do Reino Unido e sua avó, Peggy Turner (Rita Tushingham) e parte para a movimentada Londres. A inocência e a pureza da jovem Eloise é uma cartada de mestre, pois, sua força e sua feminilidade dá todo o toque central para a obra de Wright. Eloise ama moda e seu sonho é se tornar estilista. Já logo de cara sobre o bullying daquele estereótipo de jovem inocente e pacata da roça e, então, ela busca viver num quartinho que encontra para alugar na rua badalada de Soho. 

Em Soho, entra em cena a enigmática Sandy (Anya Taylor-Joy). De inocente, pura e pacata não parece ter nada. Também era uma jovem que buscava seus sonhos. Sandy sonhava em ser cantora e, por isso, conhece seu empresário Jack (Matt Smith). Pronto! É esse o resumo e a história do filme. Contudo, as cenas e os jogos de luzes começam a nos envolver, pois o passado de Sandy começa a atormentar o presente de Eliose depois que ela passa a morar em Soho. Tudo à sua volta começa a ganhar aspectos sobrenaturais e aí começamos a ver os elementos do terror. As sombras de homens abusadores e cruéis não escolhem mais lugar para aparecer, seja durante as aulas, nas ruas, na luz do dia, no trabalho, no quarto... 

E quando chega no quarto... aí sim, o medo toma conta. De Eloise e, nossa também. Assistir alguém sendo morto a facadas na sua cama num passado distante é assustador. Amedrontador. A narrativa do longa começa a sofrer uma drástica reviravolta, pois os elementos das cores em destaque e do horror passa pra segundo plano, oferecendo às personagens de McKenzie e Taylor-Joy um drama policial de suspense investigativo criminal. Agora o que importa é buscar o culpado pelo assassinato e pôr atrás das grades. 


O labirinto social 

Entre medos e pesadelos, visões e angústias, horror e sangue, assistimos também uma cidade no porte que é Londres engolir os sonhos e a alegria de todos. A corrupção corporal, a venda da inocência e os bares da night que não oferecem nada mais que o prazer obsoleto e efêmero estão ali, sempre ali, prontos para abocanhar a nossa felicidade e nos atar a cordas de ilusão e dor. Pouco se mostrou entre o interior do Reino Unido da família Turner para ser comparativo ao cinza frio e sujo das ruas de Londres, da universidade e de Soho. Mas foi perceptível que o crime contra a humanidade acontece ali, num cruzamento apinhado de pessoas ou num quarto, sobre uma cama, ou ainda, até mesmo numa biblioteca. 

A Londres de 1960 se choca com os horrores da Londres moderna e da vida de Eloise. Contudo, Eloise é uma jovem que despreza as músicas atuais e curte ouvir os discos de vinis das bandas épicas de 60. A personalidade e a força femininas é um elemento bastantes explorado numa jovem moça que sonha ser forte (Eloise) mirando-se em alguém determinada e que era capaz de fazer o que fosse para chegar onde sempre sonhou (Sandy). Uma cena de dança sem cortes, plano sequência, jogos de espelhos que não se misturam, mas se complementam, que faz ilusionismos, mas não é mágica, é a maior cena de todo o filme. Wright soube explorar a fundo esse tema da feminilidade, do empoderamento que se enfraquece quando ele não se torna força motriz de uma vida necessária e essencial para o crescimento humano. 

Por fim, a narrativa utiliza-se da literatura metalinguística que contribui para o jogo de interpretações e medos. A apatia é adquirida pela obsessão musical. Wright escreve o roteiro junto da roteirista escocesa de 1917, Krysty Wilson-Cairns. E o objetivo desses dois foi de ir lançando luzes e sombras durante todo o filme para que a obsessão em se chegar no final e amarrar tudo fizesse, de fato, uma cena grandiosa... O que pode ter sido maquiado com um rápido incêndio naquele quarto de Soho. E novamente, o espelho tornou o labirinto das emoções e dos sonhos...




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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