09 Oct
09Oct

Na seara da direção de Olivia Wilde, seu segundo trabalho desponta como um dos projetos mais aguardados do ano depois de aplausos e elogios grandiosos nos Festivais de Cinema pela Europa. Contudo, Não Se Preocupe, Querida parece não ter agrada a maioria dos críticos e deixou o público com um desapontamento inesperado. O longa, que bebe de fontes futuristas, da ficção científica, das cores de La La Land, da magia de Alice no País das Maravilhas entre outros, tenta apresentar uma visão ambiciosa do que seria o futuro do ser humano. O grande problema é que o roteiro parece não ter comportado a grandiosidade da ideia. É como se tudo aquilo que eu penso não coubesse num caderno escolar de 500 páginas e ficasse história por contar a mais. 

Não Se Preocupe, Querida nos encanta com os figurinos maravilhosos e uma fotografia impecável. Os grandes planos abertos e até mesmo aqueles fechados e detalhistas são do diretor de Nasce Uma Estrela, Matthew Libatique que capta com emoção e maestria cenas de tirar o fôlego. Protagonizada pelo casal Alice e Jack (Florence Pugh e Harry Styles), Alice se destaca como uma possível heroína que descobre que o mundo em que vive não passa de uma fantasia cientificista e regada a mentiras e a um sentimento de amor doentio e prisioneiro. O filme aborda temas como masculinidade e a posição social da mulher que, segundo o roteiro, não passa de alguém que cuida da casa, gera filhos e cuida do bem-estar do seu marido. Infelizmente (ou, felizmente, talvez), a atuação impecável de atores como Pugh e Styles não é suficiente para segurar uma história e um roteiro ruins.


O que seremos amanhã? 

Há, a certa altura da narrativa, uma tentativa de inserir um plot twist com a finalidade de surpreender o público, prometendo uma virada de leitura. Contudo, a ferramenta cinematográfica foi mal aplicada e, de certa forma, já era prevista pelo telespectador. Um breve spoiler: descobre-se que Jack é um programador – parece que sem emprego – numa realidade dura em que sua esposa Alice é médica e dobra seus turnos no hospital afim de sustentar a casa. Jack sente-se sozinho e abandonado por uma mulher que não tem tempo de dividir com ele os desejos do casamento e não consegue superar o fato de ser ignorado pela esposa. Para resolver essa situação Jack entra em contato com um projeto que se chama “Projeto Vitória” onde cria uma realidade virtual em que prende sua mulher e faz de Alice a esposa perfeita, ou seja, aquela que está a serviço do marido e do casamento. 

A narrativa é boa, a ideia é ambiciosa, mas super interessante e intrigante. O drama que Wilde nos apresenta, que conta com o roteiro de Katie Silberman tenta criticar a sociedade atual que ainda precisa se questionar quem nós somos, para onde vamos e o que será de nós amanhã. Com o advento das tecnologias, o avanço da realidade virtual e a chegada do metaverso, será que nós, não nos tornaremos escravos a serviço dessa realidade virtual que nos aprisionará ou até mesmo nos ludibriará? Pior ainda, há uma mensagem muito clara sobre a posição da mulher em relação ao homem, no filme. Wilde tenta mostrar que o risco de tudo retroceder e de que a sociedade precisa voltar a ser comandada por homens e que mulheres não podem ser poderosas e ocupar lugares de fala na sociedade é muito grande. 


Quando a mulher fala o mundo sente medo 

A direção de Olivia Wilde não é ruim. O filme tem ótimos momentos de tensão, peca nos diálogos mas as cenas que envolvem mais personagens são de uma tensão inigualável. Quando Alice, por exemplo, decide criar um desconforto no jantar, ou quando ela é pressionada contra o vidro ou ainda quando, do ônibus, insiste em dizer que um avião caiu do céu e se chocou com uma montanha, são momentos perfeitos de Wilde. Aos poucos a diretora vai mostrando o quanto nós homens tememos a ascensão das mulheres na sociedade e nas estruturas que regem um país. Lembre-se que os cenários paisagísticos de Não Se Preocupe, Querida remete a uma Hollywood e a uma Las Vegas majestosa, linda e muito bem construída. Lugares em que a mulher muito foi (ou ainda é?) objetificada, transformada em objeto de prazeres e desejos. 

O desejo de Jack, mesmo que tendo um ato de veracidade e de compreensão, revela o quanto as relações matrimoniais e as condições econômicas de um país destroem as perspectivas de vida de uma pessoa. Jack tem uma profissão, mas não consegue um emprego. Alice é eficaz e muito capaz no que faz, mas por conta da situação difícil em casa se afunda em turnos e mais turnos em seu trabalho. O resultado disso é um casamento mal consumado e uma família triste e infeliz. O ato extremo de Jack não é positivo e nem uma saída humana, mas é um ato de desespero, o medo de ser abandonado, de terminar sua vida sozinho o faz querer controlar a única coisa que o faz feliz: sua esposa. E, no “mundo cor de rosa”, no “país das maravilhas”, é Alice, de Pugh, que quebra essa prisão, é uma mulher que dá o grito pra dizer que isso é errado e que todos e todas tem o direito de fazer suas próprias escolhas.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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