28 Dec
28Dec

Há quem diga que estamos diante do melhor filme de 2021. Não Olhe para Cima é dirigido e roteirizado por Adam McKay e chegou até nós pela Netflix. Digamos que o filme que pretende ser cômico e nos fazer rir carrega uma definição sutil demais e, demasiado, grandiosa diante do mundo em que estamos vivendo atualmente. Um filme feito antes da pandemia, mas que tem mais da pandemia que qualquer outro produto feito com esse intuito. Não Olhe para Cima revela que os humanos são seus piores inimigos, sobretudo quando estes colocam o poder, a política, a ambição, a riqueza, o dinheiro na frente de tudo e de todos. Com uma mensagem político-corrupta, negacionista, antiambiental, anti-ciência, anti-humanidade, o longa de McKay pode ser, sim, uma das melhores produções que 2021 poderia nos entregar. 

Um elenco grandioso formado pela dupla de protagonistas cientistas Leonardo DiCaprio como Randall Mindy e Jennifer Lawrence como Kate Dibiasky. A maravilhosa Meryl Streep é a atual Presidente dos Estados Unidos. Janie Orlean é uma mulher nojenta com o mais podre de humanidade que alguém pode carregar dentro de si. E, contamos com a presença de Ariana Grande fazendo o papel de uma influencer digital, Timothée Chalamet como um jovem desgarrado e pobre; Cate Blanchett é a apresentadora metida a jornalista diante de uma mídia sem ética e compromisso social apresentando um entretenimento barato. Paul Guilfoyle é o General Themes que representa o Pentágono, mas que evita a política da boa vizinhança. Chris Evans faz uma ponta também como um coadjuvante que quase não aparece, mas quando surge, é aquele tipo de homem que fica em cima do muro e depois pula pro lado que está ganhando. 


Desde a sátira política até o humor trágico 

Quando olhamos para um produto que tem a função de nos fazer rir, sobretudo quando ele está etiquetado com o gênero da comédia, apertamos o play afim de refrescar a memória e nos divertir um pouco. McKay nos diverte, e como diverte, nunca estivemos diante de uma evidência tão clara do que que significou o meme kkkkkkkcry nesse 2021. A sátira de sua obra nos permite fazer inúmeras comparações com a atualidade. O ambiente político marcado pela disputa de poder que o filme apresenta, nada mais é que a campanha suja e desleal que políticos investem afim de desumanizar a imagem do seu oponente. A Presidente interpretada por Streep é uma “perua” que só ouve aquilo que pode alavancar a sua campanha presidencial para a reeleição, que só vai acontecer se ele sobreviver ao meteoro. 

Os cientistas, Mindy e Dibiasky, ao descobrirem que um meteoro com proporções gigantescas tem um curso que o choca direto com o planeta Terra, foram desacreditados, pela política (porque, em nada, a informação foi válida para o interesse pessoal), foram desacreditados pela mídia (porque esta não se beneficiou da informação para os pontos do ibope), foram desacreditados pelo público (porque, cegos pela mídia e, alienados pela polícia, por que confiar na ciência que não prova nada?). Qualquer semelhança com a atual briga pelas vacinas contra a covid-19, é mera coincidência. Ou, talvez, não seja coincidência, e seja fato, já que o pôster do filme vende o slogan “baseado em possíveis fatos reais”. 


A aleatoriedade e a penumbra do horizonte 

Não olhar para cima limita o seu horizonte de conhecimento. Não olhar para cima, acirra o seu círculo de diálogo. Não olhar para cima, poda a sua capacidade de saber. Não olhar para cima te leva a acreditar no que o outro diz, no que o político promete, no que o professor leciona, no que a mídia vende, no que o seu celular notifica. Não Olhe Para Cima faz parte de uma campanha política que ignora o real problema social afim de que você foque no que é mais importante: a ascensão da arrogância humana personalizada em alguém disposto a pisar em tudo e todos para atingir o topo. 

Estamos vivendo diante de uma linha temporal sem esperanças de futuro. Pelo menos sem um futuro mais longo. Estamos enxergando o amanhã batendo à nossa porta, e ele parece acabar ali. As entrelinhas deste filme suscitam muito mais reflexão que risadas. Você até ri de algumas situações. Mas, o personagem de Chalamet, por exemplo, o Yuli, é um jovem morador de rua, sem família, pobre, que rouba pra viver e, que, passa o Natal com a família de Randall, junto de Kate, por quem se apaixonou numa única noite. Mas é essa única noite, em que ele, decidiu olhar para cima e perceber, o quanto da vida ele perdeu até ali, e que vai perder pra sempre. 


O final é trágico 

E é inevitável a tragédia. Um tragicômico que vai te apertando por dentro ao assistir o meteoro atingir a superfície terrena. Todos olhando para cima e, talvez, mesmo enxergando a ameaça global e fatal, não acreditando no que estão vendo. Mas, assistem à própria destruição da vida do planeta. Tudo em nome de uma tecnologia grandiosa e que poderia render muito dinheiro e enriquecimento para uma empresa de aparelhos eletrônicos. Mas, eles não sobreviveram para usufruir dessa riqueza, não é mesmo? 

McKay, com Não Olhe Para Cima, está indicado ao Globo de Ouro de 2022 e pode se tornar um grande potencial para o Oscar, em março. Seu filme não é uma comédia fácil de assistir e de entender. Para rir, é preciso conhecer, olhar para cima e ignorar quem só olha pro próprio umbigo e se sente dono da verdade. Um elenco grandioso, hollywoodiano, que entrega caricaturas excelentes de políticos, jovens, cientistas, pais e mães conservadores, jornalistas fofoqueiros e um público alienado pelo o que assiste e acredita no que vê, ignorando o horizonte que poderia te fazer enxergar muito mais longe. “Não queremos que vocês vejam e conheçam a verdade; queremos que vocês aceitem a cegueira e continuem fazendo o que mandamos”.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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