06 Dec
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Benedict Cumperbacht em The Power of the Dog (2021) nos entrega uma de suas melhores atuações de sua filmografia. O novo faroeste da Netflix é dirigido pela cineasta Jame Campion e, diferente das narrativas de conquista do Velho Oeste dos Estados Unidos, em Ataque dos Cães Campion usa o campo e o mato seco como cenário de virilidade, brutalidade e as controvérsias e sentimentos de masculinidade tóxica num campo e nas relações confusas e sem elos entre homens e mulheres. Na verdade, elas, as mulheres, parecem ser engolidas pelo deserto musculoso dos homens que não enxerga nelas a humanidade e, portanto, são invisíveis socialmente. 

O grande desafio de Cumperbacht, que interpreta o triste e arrogante Phil Burbank, é de entregar um personagem másculo e rude e, ao mesmo tempo, frágil, solitário, sem simpatia e sem senso de comunidade. Campion em seus exageros dos planos detalhes, põe a câmera frente a frente à imensidão de uma corda sendo trançada; a gotas de sangue que mancha o cacho de trigo no campo e, até à mosca que posa sobre a pele do cavalo. 


Um homem sem amor, um deserto sem vida 

O homem de dor é atormentado pela fraqueza que, oculta, sente-se perdido e abandonado pelo amor. Phil é um homem vaqueiro sem amor. Não sabe sorrir, abraçar e nem tomar banho junto dos amigos no rio. Ele precisa se afastar para se desnudar não só das vestes de pano, mas da carapuça carrancuda que construiu pra si como uma sobre-pele fedorenta que afasta todos que dele tentam se aproximar. 

É nítido quando admiramos que a paleta de cores que Campion utiliza são mais voltadas ao degradê desértico. A própria mansão não tem cores vivas. Iguala-se ao escuro das montanhas. As cenas com um pouco mais de alegria com a presença do piano e seu pianista também não ganham notoriedade, pois o desamor de Phil consegue impregnar a cena com a raiva e o desgosto pela vida. Notamos que não é apenas o Phil, o homem sem amor ou ferido, de alguma forma, em seu passado. Mas o amor está ausente de tudo neste filme. O deserto não é vivo e nele só habita o árduo trabalho e a sobrevivência fajuta de uma vida sem perspectiva. 


Cão que ladra, morde e mata 

Kristen Dunst dá vida á Rose Gordon, uma viúva dona de um restaurante nesse deserto. Cortejada pelo irmão de Phil, George Burbank (Jesse Plemons), com ele Rose une-se em matrimônio e vai morar na mansão dos Burbank. As relações no trabalho de Campion também são maquiadas, são escondidas, ocultas, praticamente inexistentes na frente das câmeras. Gordon se revela uma mulher também triste e amargurada, em momento algum a vemos tratar o garoto que com ela vive de filho, Peter Gordon (Kodi Smit-McPhee), mesmo os dois tendo uma relação bonita entre eles. 

Cão que ladra, morde e mata. No silêncio da trama rústica de um Estados Unidos da década de 1920, aquele que se oculta atrás da própria miséria e da vingança corroída da alma é o que trama um assassinato nunca premeditado, mas, vingativo e doloroso. Peter soube exatamente onde atacar e onde atingir em cheio na dor de Phil, e usou do próprio sonho para mata-lo. 

Parece-nos que essas relações não parecem ser importantes (para aqueles personagens). Uma das poucas cenas de plano aberto revela uma senhorita Gordon diante de uma imensidão desértica com a mansão Burbank aos fundos, sem relevância ou significado relacional. A delicadeza perpassa por essa ausência ao revelar tanto sofrimento resultado da não existência dessas coisas essenciais na vida do ser humano. Mas, o plano fechado numa ferida aberta sobre a mão esquerda que levou a uma contaminação fatal por manusear o couro advindo de um animal doente foi mais importante. Já que a ferida aberta resultou no óbito de Phil. Uma vez a alegria e o amor tendo sido enterrados, era preciso buscar meios de fazer apodrecer o corpo físico. Nisso, Peter Gordon pôde dar sua contribuição por conta da fascinação pela biologia e ciências médicas.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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