29 Nov
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Diante da dor dos outros (2003)é um livro da cineasta Susan Sontag (1993 - ) que traz um relato fotográfico de cenas reais, imagens de dor e repugnância que são veiculadas através de diversos meios de comunicação, desde o fotojornalismo em jornais e revistas até imagens televisivas. O fotojornalismo é um gênero muito mais profundo e sério, pois fotografar “é escrever com a luz”. Em Minamata (2020), Andrew Levitas conta a história de W. Eugene Smith, “Gene” (1918-1978), um fotojornalista americano que trabalhou com fotos em preto e branco e tornou-se ícone no ramo. Sua obra, a Pietà de Smith é considerada uma obra prima no fotojornalismo e uma das imagens mais cruel e, além disso, emocionante de admiração. 

Convencionar em batizar um crime socioambiental de “desastre” é transferir a culpa do homem egoísta e ganancioso para as intempéries naturais como se o assassinato fosse normal. O “desastre” sobre a “doença de Minamata”, que consistiu na contaminação de mercúrio da população em Minamata, Japão, 1950 foi retrato da ambição do homem que forçou a manutenção de uma empresa que liderava o progresso com a produção química de produtos comerciáveis, enquanto poluía rios e os moradores com os despejos de mercúrios nas águas locais. O resultado? Doenças, distúrbios mentais, má-formação dos membros dos bebês... a pequena vila de pescadores foi rapidamente habitada por seres monstruosos, deformados e sem perspectivas de vida. 

O ponto de vista da narrativa que Andrew Levitas assumiu também foi alvo de críticas com o público. Infelizmente o que se vê nas telas é o velho estereótipo hollywoodiano de um homem branco, americano que é levado para o Japão para salvar aquela comunidade. Contudo, seria muito mais apropriado e de profundo sentido se a história ganhasse a perspectiva de dentro da comunidade, ou seja, ver a história contada através das lentes dos olhos de alguém de Minamata ao invés das lentes da câmera do homem branco “salvador” da pátria.


O fotojornalismo e o papel da denúncia 

Um dos papeis mais importantes e de grande sentido para o jornalismo é o de denunciar. O jornalismo não tem seu significado se ele não se prestar a tal compromisso com a comunidade. Quem denuncia presta um serviço de grande caridade a um povo que só sabe o que é sobreviver e perde as oportunidades de viver como um ser humano comum igual a qualquer outro. Em Minamata, a pequena ilha de pobres e simples pescadores sofriam as maldades dos magnatas da indústria que não se importavam com a qualidade de vida, apenas com o lucro e com o bem suceder da empresa. A fotografia, nesse caso, entrou como uma importante ferramenta de registro e denúncia, encorajando aquela comunidade e lutar por seus direitos revelando o mal que a poluição por mercúrio causava. 

Quem dá vida ao personagem Gene Smith é o ator Johnny Deep. Por conta dos seus percalços com a justiça, infelizmente a obra de Levitas acabou sendo desprezada e não ganhando uma boa divulgação. E, vemos, em Deep, mais uma brilhante atuação do ator. Totalmente fora de “Sua Casa”, mais sério, nada cômico e muito profundo em suas interpretações. A história que é baseada em fatos reais traz um dos mais importantes ensinamentos para a profissão do fotojornalismo, bem como a valorização de um trabalho meticuloso e enorme antes da era digital e pixelizar tudo. “Os povos nativos acreditavam que uma fotografia tirava a alma das pessoas. Hoje, precisamos entender que fotografar é coisa séria. E não só. Fotografar também é fragmentar a alma do fotógrafo”, afirma Gene à sua companheira, Aileen (Minami Hinase). 


A fotografia e as relações humanas 

Aileen é moradora de Minamata. Motivada por buscar justiça pro seu povo, ela vai em busca de um fotógrafo de renome e encontra Gene Smith, importante fotógrafo da Revisa Life Magazine. Por mais que seu trabalho já começa a ser antiquado e por não estar mais com a saúde muito segura, Smith, mesmo evitando o trabalho, parte para o Japão com o compromisso em produzir a maior matéria jornalística por fotografias que a revista já publicou. Em Minamata, Smith sente na pele o que aquele povo sofre. Inúmeras vezes foi impedido de fotografar, outras vezes teve o galpão com as fotos reveladas e equipamentos queimados, outras ainda foi subornado, vigiado e perseguido por policiais corruptos e espancado indo parar no hospital. 

Fotografar é estabelecer uma relação de empatia entre o fotógrafo e a realidade eternizada. Não mostrar o rosto, não revelar a doença às claras por vergonha ou por dor, é uma atitude de amor para com quem se é fotografado. O filme consegue deixar bem claro que, por mais que um profissional possua décadas de carreira, ainda há o que se pode aprender antes de partir para outra vida. Gene precisou aprender e conhecer sobre a empatia por trás das lentes de uma máquina fotográfica. Smith foi a Minamata em 1972, 12 anos depois, ou seja, são doze anos vivendo nas condições assassinas de um crime biológico. 

Por fim, o filme nos entrega aquela cena do Banho de Tomoko. Tomoko Uemura tinha braços e abdômen deformados. Era cega, surda e muda. A mãe contou que era preciso cinco horas diárias para alimentá-la. Muito reticentes em fotografar a filha, no fina, a mãe nos entregou a cena mais dolorosa de todo o filme e que se torna história até hoje no campo do jornalismo e da fotografia jornalística. A Pietà de Smith: uma cena em que, literalmente, vemos a mãe, carregando em seus braços a dor de seu filho, prejudicado pelos pecados dos homens deste mundo.  Tomoko Uemura morreu em 1977, cinco anos depois de posar para W. Eugene Smith.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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