Um projeto grandioso. Talvez, grande demais para a era em que vivemos. Um sonho empreendido fora do alcance dos nossos pés – literalmente – e fora dos padrões linguísticos, narrativos e até sonoros. Apelidado por “uma grande fábula”, a obra de Francis Ford Coppola não passa da realização de um sonho pessoal. E isso não é ruim, pois, se você tem sonhos, nada mais saudável do que torna-los reais, não é mesmo? O cineasta com seus 85 anos de idade, 60 de carreira, com vários Oscars na estante, é, imprescindivelmente, um ícone da Sétima Arte. Detentor do sucesso O Poderoso Chefão, uma trilogia de renome, Coppola ainda deu vida a Drácula, produziu Apocalipse Now e outros grandes títulos do cinema. Roteirista, produtor, diretor, o cineasta norte-americano não se envergonha de seus sonhos e reúne tudo o que tem para concretiza-los.
Megalopolis é, sim, um sonho. Um grande sonho. Mas a ficção na qual estamos diante não é algo tão longe de nossa realidade. Assistimos a uma encenação teatral em que um visionário, um gênio, um homem à frente de seu tempo, César Catilina (Adam Driver) tenta convencer sua cidade de que é hora de mudar. É hora de avançar, progredir, abraçar o novo, a inovação, a tecnologia, a globalização... contra suas ideologias e propostas, está o atual prefeito Franklyn Cícero (Giancarlo Esposito), que defende a Tradição, os valores atuais, a moral e a ética basilares de uma sociedade organizada e ancorada em instituições atemporais. De ambos os lados vemos a luta de poder, tanto econômico, quanto político: César é apoiado pelo tio Hamilton Crassus III (Jon Voight), bilionário, que é seduzido por Wow Platinum (Aubrey Plaza), uma jornalista corrupta e oportunista. Alguma semelhança com o que vivemos hoje? Mera coincidência?
Plaza desenvolve um papel sorrateiro, mas de grande relevância para a proposta da narrativa de Coppola. Sua personagem, Platinum é quem costura a trama “por trás das cortinas” teatrais, manipulando e controlando a informação e a opinião pública. O poder da comunicação e do jornalismo é uma força que pode perder seu controle se não estiver aliado à ética e à verdade. Infelizmente, Platinum encontra uma presa fácil no velho Crassus III, um homem cego e facilmente manipulável. César encontra dificuldades quando bate de frente com a ganância de seu primo Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), que inveja o sucesso do primo e o apoio incomensurável de seu tio. Clodio almeja herdar a fortuna do tio, Crassus, por sua vez, não o considera honesto.
O que é a “megalopolis”? De acordo com a história, megalon é uma substância fictícia capaz de controlar, mudar, pausar, avançar e retroceder o tempo... ou seja, manipula o tempo e expande o nosso conhecimento. Há, no filme, uma sensibilidade em revelar que só encontra o conhecimento quem se abre a ele. Quem é capaz de se abrir ao novo, ao entendimento, expandir seus pensamentos e acolher a nova ordem, progredirá em seu conhecimento, status... Francis Ford Coppola sonhou com uma narrativa que tenta discutir como que o nosso mundo se prepara para abraçar a inovação ao mesmo tempo em que respeita a tradição e os valores humanos e sociais que ainda insistem em nos coordenar.
Nessa grande peça teatral críticas sociais são lançadas como cartas de baralho, num passe de mágica. A jovem Vesta Sweetwater (Grace Vanderwaal) é leiloada num espetáculo cru e sem escrúpulos diante de sua beleza jovial, beleza inconfundível e castidade prometida. Até tudo cair por terra, revelando que tudo não passa de uma ilusão ou mera peça mercadológica para satisfazer nossos desejos e poder sobre os outros e sobre as coisas. O espetáculo nos responde na cara dura que “nem todos os caminhos nos levam a Roma”. E que Roma não é a resposta para tudo! Coppola dirige sua obra de forma conturbada, desorganizada, assim como é desorganizado, conturbado, sem freios a vida atual que levamos. Assistir a Megalopolis em 2024 é reviver os anos 2000 se chocando com uma era próxima aos anos 3000.
Por Dione Afonso | Jornalista