24 Jan
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As irmãs Lana e Lilly Wachowski em 1999, vésperas da virada do novo milênio, revolucionou a história do cinema quando revelou a experiência de Matrix. O primeiro filme Matrix tornou-se o número 1 do gênero ficção científica. A sequência Matrix Reloaded chegou em 2003 e, imediatamente, logo em seguida, Matrix Revolutions emplacou uma das experiências de maior sucesso nas salas de cinema em todo o mundo. As irmãs Wachowski apresentaram um mundo onde quem decide viver fora dos padrões ditos como normais era uma constante guerra. E não só com dilemas pessoas e interiores. A difícil tarefa de acolher o diferente é algo explícito, claro e explode em discursos de ódio, guerra, sentimentos de vingança e desequilíbrio nas relações. 

Em 2021, inesperadamente, o casal protagonista Neo/Tomas Anderson (Keanu Reeves) e Trinity (Carrie-Anne Moss) retornam com Matrix Ressurections. Dessa vez o trabalho ficou a cargo apenas de Lana Wachowski que revisitou a trilogia vinte anos depois do primeiro lançamento. Fica claro para nós que o pano de fundo de toda a narrativa, desde 1999 até a de 2021 é uma crítica e um manifesto contra todos aqueles sistemas que insistem em normalizar o que não dá pra ser normalizado. Ser diferente não é um erro e nem uma fraqueza. Ser diferente é um potencial para que o mundo se torne mais acolhedor com todos os jeitos, formas e gostos. 


Matrix é um manifesto à vida humana 

É curioso quando, em Ressurections há todo um discurso que une humanos e máquinas, ciência, fios, e sentimentos, mãos e cabos em torno de um mesmo ideal: reconstruir a humanidade, a nossa casa. A harmonia que se prega nessa narrativa é uma crítica que revela o quão é difícil aceitarmos o diferente. Atualmente assistimos muitas cenas de violência, guerra e até episódios que levam à morte, tudo porque o outro foi encarado como um adversário meu. A sociedade, imersa numa roda da produtividade e da tecnologia esmagadora, não percebe que os vulneráveis, ou os grupos pequenos que carecem de políticas de proteção e de salvaguarda à vida, não é capaz de enxergar onde mais machuca e onde mais precisa de sua humanidade e alteridade. 

Matrix é comportamental. É mais sobre a vida humana e menos sobre as máquinas. Ou, talvez seja sobre máquinas que desenvolvem capacidades mais humanas que os próprios seres humanos. O mundo fictício criado pelas Wachowski é um subterfúgio, um lugar seguro. Utilizando-se da metáfora dos jogos, que o próprio Tomas (personagem de Reeves fora da Matrix), desenvolve no filme, o jogo é capaz de nos libertar numa realidade onde não nos sentimos ameaçados. E quando somos ameaçados, temos força o suficiente de deter quem nos prejudica ou nos fazem mal. 

A expressão “relações tóxicas” tem se tornado um mantra muito esbravejado por aí. De tanto identificar as realidades tóxicas em nossa volta, matrix vira para nós e nos pergunta: o quanto você é tóxico? Quanto você faz de seu espaço de trabalho tóxico? Qual é o nível de comportamentos tóxicos você desenvolve em sua família, dentro de sua casa, nos seus ciclos de amizade? A filosofia que discute entre o real e o imaginário está dentro de matriz não como uma válvula de escape, mas como uma porta que pode nos indicar um novo caminho afim de curar essas relações tóxicas que alimentamos por aí.  


Quanto temos que pagar pela nossa felicidade? 

A expressão “se libertar” é uma das mais utilizadas no decorrer da franquia. O quarto filme ganhou ainda mais peso com o discurso de que, por mais que a sociedade não te aceite, por mais que a roda social queira te aprisionar num modelo padronizado, porque ela acredita que aquele é o normal e o certo, libertar-se de tudo isso, por mais que seja difícil e doa, só depende de você. A ficção nos liberta da dor, do mal, da guerra e de tudo o que nos machuca na vida real. Matrix não é só sobre um jogo ou sobre a metáfora do que vivemos. Matrix é sobre vidas que não são levadas a sério. Matrix é sobre você não ser aceito como é. 

O avanço da tecnologia nesses últimos 20 anos está muito bem contado em Matrix desde seu primeiro, em 1999 até o de 2021. Se antes, era preciso encontrar um telefone de mesa para acessar os dois mundos, agora você tem mais possibilidades de atravessar entre uma realidade e outra. Entre uma porta e outra, entre um ano e outro, um avanço e outro, Matrix Ressurections não deixa de levantar sua discussão contra um mundo conectado, digitalizado e totalmente disperso e cego para o que o outro sente. Isso, segundo o que o diálogo da cineasta narra, é como ruídos que nos distraem e nos tira o foco do que é realmente válido e faz com que concentremos nossas energias em algo mais individual e rentável. 

O mundo é cheio de ruídos. Antes as pessoas sonhavam em ser livres. Hoje elas temem sonhar. Sonhar tem se tornado um ato perigoso. Assistir a franquia é uma oportunidade de experimentar algo diferente de tudo o que uma ficção científica já produziu. Contudo, é preciso ter a mente aberta e olhar crítico diante de todo o diálogo que a narrativa apresenta. Não estamos apenas assistindo a uma história de amor entre Neo e Trinity e nem a uma corrida pela sobrevivência de Zion, nossa casa. O que estamos dispostos a apresentar com essa obra é um discurso que vai além da luta pelo amor, mas é uma luta pela capacidade de amar de novo, uma luta afim de fazer com que todos voltem a sonhar de novo. Sem medo.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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