18 Feb
18Feb

O longa do espanhol Pedro Almodóvar chega a nós num momento histórico muito pertinente. Uma história rica em feminilidade, sororidade, passado histórico de lutas e um presente que exala segurança e certezas. Assim é a personagem de Penélope Cruz, por exemplo. Uma mulher já com sua vida construída, profissão estruturada, segurança social e financeira bem resolvida, a fotógrafa não tem do que reclamar, mas, revelou faltar uma coisa para que tudo estivesse completo: ser mãe. 

Cruz é Janis, Almodóvar constrói ao redor dessa mulher toda uma ambientação de cores vivas e sem exageros. Janis, na maternidade, dias antes de dar à luz se encontra com Ana, personagem de Milena Smit. As duas já revelam os paralelos de suas histórias: ambas não planejaram a gravidez; ambas são mães solteiras; ambas estavam esperando uma menina. A diferença se encontra na condição de cada uma. Ana é menor de idade, 17 anos, mora com a mãe e mesmo assim não encontra na família o apoio necessário. Janis, por outro lado, mulher independente, engravida-se de um antropólogo especialista em escavações com quem mantinha relações sem compromisso. A gravidez foi inesperada, mas acolhida com alegria e com a sensação de se estar realizando o último ato de sua vida: ser mãe. 


Nossas histórias não são só nossas 

Amodóvar consegue, numa mesma linha narrativa, manter dois planos históricos. Janis tem um passado marcado pela guerra sangrenta da Espanha, uma ditadura militar. Esse momento destruiu as famílias de seus avós, bisavós e tios e tias. Sua memória só iria descansar quando todos de sua família também pudessem descansar. E isso significava “enterrar os mortos” com a devida dignidade. No plano amplo dessa narrativa do passado, as mulheres protagonizam a dor, a ausência, o assassinato de seus maridos, o rompimento dos sonhos de uma família unida. No futuro Janis nunca desprezou de onde veio e do que o seu passado era feito. 

Nossas histórias não são só nossas. Em nossas memórias encontramos relações, momentos essenciais que nos ajudam a construir dentro de nós quem nós somos de verdade. Uma história que é mais do que biologia, ossos e sangue. Mas algo que está na memória, nos pensamentos, na honra e no orgulho. Janis conta que seu avô cavou a própria cova, onde foi enterrado com outros homens, cujo as famílias nunca tiveram a chance de saber. Hoje, Janis tinha as ferramentas necessárias para pôr um ponto final em tudo isso. 

Pedro Almodóvar também conseguiu extrair com toda a sua sensibilidade o peso político que essa história possui. As questões burocráticas seguiram longe das câmeras o que nos envolveu ainda mais nas relações de Janis, Ana e a pequenina Cecilia. Há uma relação complicada com a troca das bebês, mas isso foi contornado com muito louvor pelo roteiro. 


Indicações ao oscar 

Merecidamente, o filme de Almodóvar rendeu à Penélope Cruz a sua quarta indicação ao Oscar. Janis, como a mulher central de uma história feminina funciona como uma balança de equilíbrio entre as tensões sociais e a política. Alguns dizem que esse é um filme político. O que não deixa de ser. Aqui a questão sociopolítica está entranhada em pontos muito delicados de cada pessoa que vai desde o massacre bélico do passado que assassinou homens inocentes até as diferenças de classes no futuro que põe algumas mulheres em situação de extrema pobreza e outras em situações trabalhistas desumanas. 

O filme também está indicado na Categoria de Melhor Trilha Sonora, trabalho feito por Alberto Iglesias. Na obra, a música abraça todo o enredo dando às cenas finais o descanso merecido para aquelas mulheres que puderam se despedir de seus entes queridos e também sendo um ato de justiça para aqueles que morreram e não foram reconhecidos como seres humanos. 

Todo o conjunto da obra quer nos dizer que o equilíbrio do ser humano, de cada pessoa, é a sua abertura e gratificação pelo passado e sua segurança e certeza do seu futuro. O presente, o aqui e o agora não é um ato isolado de nossas vidas. Quando ele não está em equilíbrio é porque algo do nosso passado está mal resolvido e precisa de solução, ou é quando o futuro me é incerto, perigoso e indesejável. Aí, o equilíbrio entre passado e futuro é um presente onde os dois se encontram. Histórias paralelas, vidas paralelas, mulheres paralelas... tudo entrelaçado numa humanidade paralela, injustiças paralelas, mortes paralelas...




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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