19 Jan
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Não é fácil ser mãe. Há aquelas que guardam o trauma afirmando que nunca foram boas no ofício. A maternidade é divina, tem uma função sagrada até, e é um dos atos mais humanos e empáticos que as mulheres podem realizar. Há também homens que são mães, que reconhecem o papel feminino que todos nós carregamos e compreendem também que a função de gerar que a mulher detém pode ser compartilhada pela sororidade e empatia de cada um de nós. Olivia Colman protagoniza uma obra-prima na qual assistimos algo que se é pouco falado, mas é muito vivido, sentido. E isso é raro. Encontrar um produto que não precisa dizer muito, explicar muito, mas consegue ensinar quase tudo sobre o que se vive. 

A Filha Perdida é o filme de estreia da diretora e roteirista Maggie Gyllenhaal. Adaptado da obra de Elena Ferrante de 2006, as páginas de seu livro ofertam um misto de caos com uma literatura nada convencional que não se prende numa caixinha narrativa preocupada com os padrões clássicos da escrita. Não. Ferrante compreende que para falar de um tema tão íntimo, humano e delicado, é preciso deixar que o sentimento se aflore, ultrapasse os limites da língua e torne-se vivo. Gyllenhaal entendeu isso e, transpôs para as telas uma experiência sufocante, caótica, mas de muita verdade sobre o peso social que o “ser mãe” nos impõe. 


Ser mulher e ser mãe nem sempre estão no mesmo pacote 

Na obra de Gyllenhaal temos três narrativas protagonizadas por três figuras femininas: primeiro Colman, como Leda Caruso que se revela uma mulher de meia idade, divorciada, mãe de duas filhas que já estão na fase adulta de suas vidas. Leda surge gozando férias numa praia da Grécia, onde busca, ao que parece, silêncio e paz para seus estudos de literatura comparada e aprofundamentos em línguas estrangeiras. A segunda narrativa – mais silenciosa e impactante – é protagonizada por Dakota Johnson que vive a jovem mãe Nina, que chega na praia invadindo o ambiente tranquilo de Leda. Nina é mãe de uma menininha dos seis 5 ou seis anos. Nina torna-se gatilho para Leda ao revelar-se impaciente, assustada, com medo e deslocada no papel da maternidade e mostra a Leda o seu despreparo e desgosto por ser mãe. Nisso, somos inseridos na terceira narrativa, dessa vez interpretando uma Leda do passado, jovem e mãe de duas filhas pequenas, vivida por Jessie Buckley. Essa jovem Leda está no início da consolidação de sua carreira. Vive entre o cuidado da família e os apertos dos estudos e da busca de reconhecimento pelo seu trabalho. Percebe-se que aquela jovem mulher não está disposta a sacrificar quase tudo para ser mãe e tenta, sem sucesso, conciliar as duas tarefas. 

Colman, Johnson e Buckley fazem de A Filha Perdida uma obra de arte que poucos conseguiram ler, compreender e entender. Não é um filme fácil de assistir, e muito menos de opinar depois. Gyllenhaal deixa claro que o que você não entendeu, é porque não assistiu direito. O que achou impossível de explicar é porque a explicação é desnecessária, pois a cena te contou tudo. Quem não viu, fechou os olhos. O abandono maternal que é tema durante todo o filme é uma ferida que, uma vez aberta, nunca mais será cicatrizada. A dor permanecerá ali, frequente, insistente e cômoda. A ferida física de Colman é, talvez, uma forma de explicar a ferida interna de Johnson e Buckley. É o mais claro que se pode chegar de uma explicação mais visível. Buckley nos entrega uma Leda jovem, sonhadora, cheia de energia e com uma paixão à flor da pele. Seu marido é um homem que ganha pouca tela – como todos os homens neste filme – e que se revela insuficiente e incapaz de viver uma maternidade em conjunto. A Filha Perdida também não culpa os maridos, os homens, os pais. Em nenhum momento Gyllenhaal transfere a culpa para eles. O principal recado de seu roteiro é que ser mãe e ser mulher, nem sempre estão no mesmo pacote e a tarefa da maternidade nunca será bem sucedida enquanto homem e mulher não souberem dividi-la com sabedoria. 


Um oscar entre mulheres... será? 

Especula-se que Maggie Gyllenhaal e Olivia Colman são as principais apostas para o Oscar de 2022. Outra diretora também está na corrida: Jane Campion, com Ataque dos Cães, foi destaque nas premiações do Globo de Ouro deste ano. O papel coadjuvante de Dakota Johnson também não fica atrás e, ao que tudo indica, mesmo com grandes nomes como Villenueve com Duna e Spielberg com o remake de Amor, Sublime Amoras apostas nessas duas cineastas são grandes e muito significativas. Campion e Gyllenhaal entregam duas obras intimistas e difíceis de digerir. Mas, muito intensas, enigmáticas e tão reais quanto os dramas e traumas que elas transmitem. Enquanto Gyllenhaal explora o tema da maternidade, Campion traçou o caminho da masculinidade tóxica impecavelmente vivido por Benedict Cumberbatch. 

Na primeira semana de fevereiro conheceremos os indicados da 94ª edição do Oscar. Com grandes trabalhos dirigidos e protagonizados por mulheres acreditamos que a diversidade e a igualdade em produções dignas de reconhecimentos vão se alargando. Colman, com seu brilhantismo e profissionalismo entrega um drama psicológico que revela as complexidades do ser mulher. Ser mulher, em muitas culturas, é sinal de escravidão; assim como, ser mulher, em muitos ambientes hoje, revela-se um risco de vida com os casos de feminicídio e violência doméstica crescentes. A sociedade só se tornará menos violenta quando o homens e mulheres entenderem que o ser humano é homem, é mulher, é criança, é idoso... é ser gente!




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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