05 Aug
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Os parques temáticos da Walt Disney sempre foram grandes sucessos de atrações, aventuras e muita emoção. Piratas do Caribe é um exemplo claro disso. A franquia saiu dos parques e foi direto para as telonas explorando um universo fictício de piratas e viagens marítimas recheadas de lendas e dos encantos do mar. A mais nova aposta dos estúdios é Jungle Cruise, dirigido por Jaume Collet-Serra e que teve seu lançamento tanto nas salas do cinema quanto na plataforma de streaming da empresa por um preço adicional. 

Jungle Cruise, o parque, teve suas portas abertas em 1955 na Disneylândia da Califórnia. A nova atração era ambientada na década de 1930 trazendo aventuras com cenários tropicais sempre com muitas florestas, animais, natureza, perigos... Vemos, por exemplo, cenas que tentam replicar as belas matas da África, animais como elefantes, zebras, girafas, rinocerontes... Bem como também as florestas tropicais latino-americanas, a Amazônia, serpentes enormes, aves de todas as cores como os tucanos, povos originários como indígenas e suas “misteriosas” culturas... enfim, por atração e divertimento, o longa funciona, no entanto, na narrativa e representação, ele derrapa ladeira abaixo e nos entrega discursos desatualizados e até preconceituosos (atenção, há spoiler a partir daqui).


Jungle Cruise e a dicotomia com a floresta brasileira 

Estrelado pelo impecável Dwayne Johnson e a perfeita Emily Blunt, o casal de protagonistas entrega a história com todo o talento que eles têm e nisso não decepcionam. Emily é Lily Houghton, uma cientista da Europa que está em busca de uma planta milagrosa que só existe no coração da floresta amazônica. Embarcando para o Brasil junto do fiel “irmão” McGregor Houghton (Jack Whitehall), os dois percebem que a viajem pela floresta trocipal pode se tornar uma carismática aventura. No entanto, é preciso voltar algumas décadas. Lá nesses tempos, sobretudo, aos olhos europeus, tudo aquilo que não era Estados Unidos, era América do Sul, e tudo era tratado como uma coisa só. Tanto é que não há a presente da língua brasileira (ou portuguesa) no filme; não há menções dos países; não há ligação história com o sistema comercial da época, não há representação local. A língua é o espanhol e o nome Brasil nem se quer é levado em conta. 

A brasilidade que Jungle Cruise nos entrega é ultrapassada e o mal que isso gera é a representação de um estereótipo já superado – assim acreditamos – a respeito das visões europeias de ser um lugar não explorado, não humanizado, não globalizado. Em Jungle Cruise, quem controla os barcos do porto em Rondônia, por exemplo é um falso italiano Nilo Nemolato (Paul Giamatti) que explora as embarcações. Frank, o personagem de Johnson, é um pobretão que tenta sobreviver das expedições turísticas apresentando aos visitantes as belezas da natureza. E quando partimos para as representações indígenas então, a coisa piora. Sendo ainda tratados como aqueles burrinhos que aceitam qualquer coisa em troca de informação valiosa. O escambo é desumano. E a adaptação poderia muito bem ter corrigido isso. 

Quem não se lembra de quando a franquia de Indiana Jones resolvera levar a aventura de Harrison Ford para o seio da floresta amazônica? Com uma ficção descompromissada, o longa – o pior deles, alias – se aventurou por entre a floresta tropical, rotulou o povo local como perigosos, ameaçadores e maldosos. Mas, parece não ter gerado tanto impacto. Nesse caso do Jungle Cruise, o que pesa é a representação dos Studios Disney e sua visão sobre os países do Sul. Algumas cenas da adaptação gera desconforto ao supervalorizar uma supremacia branca em detrimento de uma cultura local e que há tanto é mal vista no mundo. 


Rasa representatividade no entretenimento familiar 

Algumas críticas afirmam que o filme funciona como um bom entretenimento em família divertindo pais e filhos extraindo boas risadas. Se há problema de representação, se há questões estruturais que afetam uma comunidade, uma cultura e que menospreza um povo, não tem como admitir que se é um bom divertimento em família. Vemos, por exemplo, como foi desperdiçado o personagem McGregor, que teria tudo para vencer o preconceito que o impediu de viver livre. A representação indígena que poderia ter sido mais valiosa, respeitosa, mesmo com os elementos da magia e do mito em torno das Lágrimas da Lua. 

O diretor Collet-Serra respeitou perfeitamente os padrões dentro dos muros Disney. A forma como apresenta os personagens e como inicia a narrativa estão nos padrões que os estúdios sempre nos entregaram a vida toda. É hora de mostrar que existem elementos e situações que carecem mais de conhecimento e representações. O Brasil é muito mais que um cenário bonito rico de belezas naturais. Aqui, há muito mais que aves coloridas e águas abundantes, há um povo, há uma cultura, há magia e contos... Tudo em prol de enriquecer experiências nas grandes telas do cinema e para toda a família. 

Enfim, a Disney ainda tenta quebrar certos padrões, vencendo preconceitos, mas ela ainda patina nesse campo da humanidade. Com maestria ela ensina que a mulher pode vestir calça e usar o que ela quiser, ser o que quiser, até uma cientista, como a personagem de Blunt nos ensinou. Mas falar de sexualidade, abordar questões LGBTQIA+ como ela poderia ter esclarecido com o personagem de Whitehall, ela achou forte demais para o que ela acredita e prega atrás de seus muros...





Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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