02 Jun
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Todos os 5 filmes Mad Max são dirigidos por George Miller. Trata-se de um universo pós-apocalíptico em guerra. Um mundo “não muito distante de nós” em que o ser humano se perde em suas ambições e sede de poder. Inicia uma luta gananciosa e subverte os valores sociais explorando os fracos e dando poder aos que estão no topo. Em 1979, com Mad Max, vemos a crítica de Miller se desembocar no conceito de sociedade fragmentada: cada um busca seus próprios interesses. Dois anos depois, em 1981, veio a sequência com Mad Max 2: A Caçada Continua e Miller apresenta a sociedade dividida entre escravos e senhores. Em 1985 com Mad Max: Além da Cúpula do Trovão, o homem perde sua identidade. O protagonista de toda a saga Max Rockatansky é o “Homem Sem Nome”. Trinta anos depois assistimos George Miller com Mad Max: Estrada da Fúria em 2015. Nele a corrupção social já está avançada e vence apenas o mais forte e os pequenos, se quiserem continuar vivos, precisam servir seus opressores. 

George Miller, que na época estava ainda pouco conhecido, quando inaugura a saga Mad Max inaugura um novo estilo de cinema, o road movie que hoje é reconhecido como um forte gênero cinematográfico. Agora, estamos diante de um prelúdio que se encaixa cronologicamente entre o terceiro e o quarto filme. Furiosa: Uma Saga Mad Max explora a personagem que apareceu em Estrada da Fúria e que foi interpretada por Charlize Theron. Vivida agora por Anya Taylor-Joy, o quinto filme da franquia insere a crítica ambientalista e retoma a metáfora bíblica que apareceu em 1981 quando Max é equiparado a um profeta que sonha com a Terra Prometida e tenta guiar seu povo até ela. Com um roteiro sobre vingança, as primeiras cenas revelando um paraíso como se fosse o Jardim do Éden, a colheita do “fruto proibido” e a mãe de Furiosa sendo crucificada é o contexto ideal para que possamos retornar a esta franquia de respeito e estima. 


Boas experiências e bom crescimento da franquia 

Já faz um tempinho que os “adoradores” de Mad Max já percebiam que o personagem-título não tinha muito mais a ser explorado. Depois de passar o bastão de Mel Gibson para Tom Hardy, sentimos que para a franquia sobreviver, era necessário nova abordagem e novas perspectivas. A guerra deste mundo distópico possui muitas nuances que merecem nossa atenção, afinal, o que Miller nos apresenta não é uma guerra bélica e nem se trata de disputas de poder entre nações, mas é a guerra humana, a fragmentação das relações. Basta rever todos os filmes e perceber como que isso nos fica evidente em cada capítulo desta história. Tudo começa com uma crise social e não com uma explosão química.

Agora vemos Imperator Furiosa ganhando sua própria narrativa. Através do talento de Anya Taylor-Joy encontramos uma jovem mulher disposta a se vingar e a ir em busca de sua cidadela afim de recomeçar o que sua família plantou. O novo filme explora uma potência feminina que ganha representatividade em 2015 com Theron. A mulher torna-se símbolo de libertação feminina do jugo do homem e também símbolo de força e poder. Ela não pode ser mais partícipe do grupo dos submissos, escravos e objetos de prazer dos senhores. A cada capítulo, as gangues com seus chefes monopolizam um item essencial. Enquanto que, em um é o monopólio da água, em outros vemos o do óleo, o da produção de metano, alimentos... 

É um saldo positivo abandonar Max e explorar a vida de uma personagem poderosa. Chris Hermsworth está inesquecível na pele do vilão Dementus. Na verdade, é ele quem mais rouba a cena. Sua caracterização pode se tornar uma das melhores atuações de sua carreira, inclusive. Dementus tem seu senso de arrogância, desejo de poder e adora mostrar que pode tudo e tem tudo. A figura de Dementus é mais uma metáfora ao que a sociedade, talvez não distante, mas a de hoje, pode estar enfrentando: tão poucos de nós monopolizam tudo de nós; enquanto tantos de nós, mendigam para ter uma gota do tudo. 


Mad Max é o retrato do futuro ou já é o de hoje? 

Estamos diante de um deserto que tem mais vida do que o habitual. Até isto nos é estranho e faz parte da distopia narrativa. Quando refletimos de perto cada filme desta franquia e começamos a debulhar cada conceito e suas filosofias, começamos a perceber que muito desta realidade fictícia já está impregnada em nossa sociedade. Já vivemos num mundo em que os monopólios de petróleo, avanços tecnológicos, acesso à água potável, alimentos e remédios estão nas mãos de poucas gigantes do comércio desumano. Muitos morrem em nosso planeta porque não puderam ter acesso ao básico para viver. Muitos morreram porque a vida toda foram tratados como escravos e explorados até a última gota de sangue presente em vossos corpos e jogadas em valas comuns, enterrados como indigentes. 

Quando assistimos a jornada de Furiosa (Joy e Theron), deparamo-nos com uma guerra que já está acontecendo entre nós. Vivemos num deserto em que as areias da corrupção política corroem os sistemas que insistem em governar nosso país. A educação está proibida de ensinar nossos filhos; o sistema de saúde só salva quem pode pagar mais ou quem tem um status social reconhecido; a religião também cede à corrupção em busca de notoriedade; a política não governa mais para os vulneráveis... Furiosa tenta desmantelar um sistema social que continua escravizando mulheres e pobres dando poder e prestígio aos vilões de cada cidadela. O filme jaz jus à franquia que há 45 anos está esfregando em nossa cara que uma guerra já insiste em viver entre nós e ela está nos afastando, destruindo a única coisa que temos e que é capaz de nos salvar: nossa própria humanidade.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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