A trilogia Eu sei o que vocês fizeram no verão passado (I know What You Did Last Summer) ganha pelos estúdios da Amazon Prime Video uma nova releitura da franquia original do final dos anos de 1990. Mesmo com sucessos slashers como o Pânico, a franquia soube se destacar com boa história e roteiro. Os longas de 1997 e 1998 funcionam perfeitamente, fechados, bem resolvidos com início, meio e fim. Já o terceiro trabalho, de 2006, abandona a ideia original e tenta transformá-la numa espécie de lenda urbana com a tentativa de “reler” a história original apresentando a uma nova geração dos anos 2000. O que, inicialmente, apresentou alguns problemas.
Em 2021, a Amazon visita o terror dos anos 1990 e apresenta uma releitura que respeita o passado da franquia e conquista uma nova geração que admira e consome histórias que envolvem o terror, o suspense, o medo e as mortes sangrentas. Mesmo não sendo tão sangrentas como esperávamos, o que não é ruim, a primeira temporada não só relê Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, mas também apresenta novos elementos à narrativa. Se em 2006, Sylvain White tentou inserindo elementos de uma lenda macabra e misteriosa, agora, o que assistimos é uma mistura entre os crimes cometidos no verão passado com elementos místico-religiosos, bruxaria, e aqueles mistérios que, mesmo infundáveis, prendeu-nos por oito episódios.
Eu sei o que vocês fizeram no verão passado, da Amazon, é um terror adolescente que se baseia no romance de 1973 de mesmo nome, escrito por Lois Duncan. Dirigido por Neal H. Moritz e James Wan e roteirizado por Shay Hatten. Uma releitura modernizada que apresenta 5 adolescentes que, ao sair de uma festa de formatura, no verão de 04 de julho, inesperadamente e acidentalmente atropelam um indivíduo na estrada. Os elementos do uso de narcóticos, bebidas, o uso de celular, aparecem com mais intensidade, o que é óbvio para nós. (atenção: há spoilers a partir daqui)
Enquanto Julie (Jennifer Love Hewitt) narra os originais de 97 e 98, agora, Allison (Madison Iseman) é quem lidera o elenco. Iseman, protagoniza interpretando irmãs gêmeas, Allison e Lennon. Como já se era de se esperar, a série exagera bastante nas narrativas apoiadas por flashbacks que nos faz ir e voltar na história até entendermos o produto final. Cheia de mistérios e também de pessoas misteriosas, a temporada inicia com a Lennon (Allison se passando pela irmã), retomando ao seu povoado onde mora o pai, Bruce (Bill Heck). Lennon se encontra, então, com seus amigos, a fiel Margot (Brianne Tju) com quem tinha um relacionamento adolescente (lembrando que quem tinha esse relacionamento era a Lennon e não a Allison se passando por Lennon); Johnny (Sebastian Amoruso), um atleta, gay e que também se relacionou com Margot, Riley (Ashley Moore), que carrega o estereótipo da família complicada, mãe é diarista, ganha pouco, e vive em meio a álcool e drogas e Dylan (Ezekiel Goodman), o garoto que tenta ser certinho.
A volta da falsa Lennon a esse contexto foi o gatilho para que o que ocorreu no verão passado também voltasse para assombrar os moradores e infernizar a vida desses adolescentes. E, portanto, a série de mortes começaram a rodear aquela pequena ilha. O que poderia ter sido um pouco mais eletrizante e dinâmico. Para oito episódios, o gênero slasher perdeu um pouco a sua força e a emoção. Sim, emoção em ver sangue. Não que seja o que gostamos, mas, pelo menos, é o que se espera. Talvez, tornaria mais apelativo, no entanto, ficou um pouco melodramático para que a história nos convencesse.
Portanto, Lennon/Allison começam a se misturar em meio a tantos flashbacks sem motivos e sem contexto necessário que os justificasse. A protagonista começa a se deslanchar para o lado da menininha chata e manipuladora. As mortes não se tornaram tão relevantes assim e um romance escroto que nos entrega sexo violento de graça entre Bruce a policial detetive acabou não nos transmitindo uma experiência satisfatória.
Nisso, precisamos elogiar, muito mais do que a franquia original: a entrega do verdadeiro responsável por tudo foi feito de maneira satisfatória e grandiosa. A falsa Lennon carregou o mesmo estigma que a protagonista Julie nos filmes. Num certo ponto da narrativa, todas as provas e indícios apontavam para ela. Felizmente, a personagem soube se desvencilhar dessa narrativa sempre conseguindo apontar um problema maior e mais perturbador. O elemento final, que talvez foi pequeno, mas que garante uma segunda temporada é o elemento da demência e da loucura imposta a Dylan (Ezekiel Goodman).
A suposta morte de Allison, atropelada pela própria irmã, Lennon, separou o grupo de amigos por um ano. Cada um tentou seguir a sua vida. Aqueles melhores amigos não tinham mais motivos para continuarem seguindo os mesmos planos, as mesmas festas e cheirando as mesmas drogas. Dylan, Margot, Riley e Johnny seguiram suas vidas na comunidade mesmo. Um lugarejo de poucas casas, onde todos conhecem todos. Riley continuou ganhando a vida vendendo drogas, Johnny ficou noivo de um atleta famoso da escola, Margot seguiu sua carreira de digital influencer e Dylan ficou mais reservado em sua casa com a mãe.
No entanto, com a volta da falsa Lennon, o grupo não conseguiu ser o mesmo. As amizades se tornaram aparentes. E, mesmo tendo enganado a todos, Margot sabia que não era a Lennon que estava ali, do lado deles. Impulsionada pelo ódio e vingança pela morte daquela que ela amou, Margot emplacou o show de horrores que assustou toda a ilha. Primeiro matou Johnny e o seu noivo até culminar na própria Lennon, que, na verdade, era Allison. Essa reviravolta de roteiro foi fantástica. Contudo, quem leva a culpa e é preso pela polícia é Dylan. Allison insiste em ser Lennon. E ela escolheu viver com Margot... O segredo do verão passado continua escondido.
As garantias da segunda temporada estão lançadas. Se vai seguir a lógica original, não sabemos, mas apostamos que não. Há na nova produção da Amazon um elemento primordial: a mentira e a farsa afim de seguir a vida livres e felizes. As protagonistas: Lennon (ou Allison) e Margot não são as únicas detentoras do segredo, mas foram as que tiveram a chance de acabar com tudo.
Até onde o verão passado irá retornar e atormentar nossas vidas?
Por Dione Afonso | PUC Minas
