25 Nov
25Nov

Quando o primeiro filme do detetive mais famoso da literatura chegou, uma série de críticas rondaram a produção por “n” motivos: primeiro, julgaram o fato da história não ser do cânone de Sir Artur Conan Doyle; de fato, Enola Holmes é uma criação da escritora americana Nancy Springer. Uma literata do gênero juvenil. É apaixonada por ficção científica, fantasias e ficção. O nome Holmes a permitiu alargar o horizonte do detetive e reunir ares de mistérios, investigações e, claro, de presença feminina e suas manifestações sociais. Depois, houve julgamentos quando o ator Henry Cavill foi escalado para o papel de Sherlock. Não pela incapacidade do ator, mas o fato de termos um Holmes bem apresentado, bonito e inteligente ao mesmo tempo e que, na atuação, demonstra afetos não caiu muito bem para os críticos. 

Enfim, Enola Holmes é irmã de Sherlock. Instigada a seguir os passos do irmão, Enola se vê no meio de uma investigação perigosa que a coloca em riscos de vida. Motivada em ajudar outras pessoas, o filme que ganha a direção de Harry Bradbeer preocupa-se em revisitar as obras de Doyle, mas, ao mesmo tempo se distancia delas, afim de dar a verdadeira essência ao trabalho de Millie Bobby Brown, como Enola. A personagem tenta se mostrar uma jovem mulher independente numa sociedade machista e preconceituosa. Enola não se contenta em ser a sombra de um homem, mesmo que esse seja seu irmão ou daquele que alimenta por ela um interesse amoroso, o Lorde Tewkerbury (Louis Partridge). Ambientado na Inglaterra, nas redondezas da famigerada Rua Baker Street 221B, Enola é contratada por uma criança que, misteriosamente relata o desaparecimento da irmã. 


Quanto mais buscamos nossa independência, mas as sombras a manipulam 

Parece que o fardo feminino de ser sustentado, protegido, guiado e mantido por uma força motriz masculina é mais do que um fardo histórico, mas social e presente, mesmo neste século. A obra de Bradbeer, infelizmente se esbarra na família Holmes que, se de um lado há a sombra de Sherlock para reafirmar a sua presença ao lado da irmã, do outro há a sombra da mãe, Eudoria Holmes (Helena Bonham Carter) para reafirmar a fraqueza da mulher que não é capaz de nada sozinha. Claro que não é esse o objetivo do roteiro, mas é o que ele deixa transparecer na sequência de infortúnios que Enola vive sem ter ligação concatenada com a narrativa. 

No primeiro longa, Cavill se vê diante de um debate político muito forte quando é questionado por Edith (Susie Wokoma) sobre sua posição. Ao responder à integrante de um protesto feminista de que não gosta de política, Edith o retruca afirmando que homens que não gostam de política apenas são homens preguiçosos que não se sentem responsáveis em tomar partido a favor do fraco, do oprimido ou de quem precise. O Sherlock de Cavill é um homem que se arrepende e se deixa ser contrariado. Algo que foge da essência do cânone de Sir Artur Conan Doyle. Essa diferença das obras originais não nos afeta muito visto que o filme é de Enola Holmes, embora a produção insiste em buscar referências dos originais. 

Agora, a sequência precisa lidar com a exploração de menores no mercado de trabalho sob condições desumanas e sem escrúpulos. Visando o mercado, o lucro, os donos da empresa de fósforo não se preocupam como adoecimento das meninas que trabalham dia e noite na produção do item. É Enola Holmes que percebe que o sumiço da pessoa em seu caso está amarrado a questões muito maiores e ainda mais preocupantes. Assim como no primeiro filme, há aí mais um diálogo que toca numa dolorida ferida social, mas, que é desperdiçado, assim como no primeiro filme. 


O legado dos Holmes 

Mais que um home ou uma literatura, Sherlock Holmes, Eudoria Holmes, Mycroft Holmes e Enola Holmes é uma entidade cultural. Essa “grande família” tenta, desde as páginas, até ao teatro e telas da dramaturgia, reviver seu legado e transmitir um ensinamento novo às gerações. Brown utiliza do recurso de quebra da quarta parede de forma inteligente e eficaz. A narrativa vai costurando perfeitamente a história e o trabalho de Bradbeer é bem feito. Há suspense, ação, boas lutas, dança, tensão e aquela cena final em que Enola fica gente a frente com o “inimigo” no teatro é perfeita. Um mérito que precisamos dar à atriz que é impecável. 

A Londres toda suja, cinza, depressiva e triste dão às cenas e ao ambiente algo com que nos importarmos. Uma cidade esplêndida que respira desumanidade, exploração, vingança e ambição é o estilo perfeito de Doyle e dos Holmes. As cores que aparecem, principalmente no baile não destoam do resto, algo não tão vivo, mas de tons neutros, pasteis e claros que ornam com a ambientação inglesa. A mitologia que ronda a imagem de Sherlock Holmes tem se tornado, talvez, algum empecilho para que Enola Holmes construísse seu legado, mas a tomada final é esperançosa e um terceiro filme pode dar à Millie Bobby Brown o protagonismo que ela se esforça pra ter.




Por Dione Afonso, Jornalista PUC Minas.

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