23 Mar
23Mar

As histórias de sci-fi são tão antigas quanto são as literaturas da antiguidade. Para se ter uma noção o primeiro considerado como um “romance científico” foi assinado pelo sírio Luciano Salmósata que viveu na região da Grécia entre 125 d.C – 180 d.C. Sua obra é classificada pelos literatos como uma proto-ficção onde ele relata uma história de amor que envolve uma fantástica viagem à lua. No final do século XIX, o escritor britânico Olaf Stapledon também ganhou um notório destaque ao popularizar o termo “romance científico” e abrir tais portas literárias para o mundo. O ponto auge do sci-fi encontra-se de fato, na horda do Iluminismo, onde encontramos nomes como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke, Philip K. Dick e grandes nomes como Júlio Verne (1828-1905) com títulos como Vinte Mil Léguas Submarinas e Viagem ao Centro da Terra e Mary Shelley (1797-1851) com Frankestein, publicado em 1818. 

Frank Herbert (1920-1968), jornalista americano e escritor de ficção-científica publicou Duna – 6 livros sobre um universo ficcional sci-fi intergaláctico em expansão –. A narrativa ganhou uma primeira adaptação para os cinemas em 1984.  Também no cinema as narrativas sci-fi encontraram espaço. A própria narrativa sobre o seu nascimento já evoca o título quando assistimos Viagem à Lua de 1902, por George Meliès. O cineasta russo Andrei Tarkovski (1932-1986) produziu Solaris em 1972; Stanley Kubrick nos deu 2001: Uma Odisseia no Espaço em 1968... É difícil elencar aqui os grandes nomes deste gênero na Sétima Arte, por isso estes servem para ilustrar que o sci-fi sempre esteve presente em narrativas fílmicas e, não só, nos livros, que, aliás, possuem muitos outros autores que não são citados aqui. Depois da versão de 1984, 40 anos depois, Denis Villeneuve relança Duna em 2021, um primeiro filme que enfrentou a dura realidade da pandemia de Covid-19 e com baixa de views no streaming. Agora o cineasta consegue se redimir com a sequência das longas páginas de Frank Herbert com Duna, parte 2


A ascensão de Paul Artreides 

Mantendo a mesma qualidade de fotografia, figurinos e narrativa, Villeneuve segue a jornada de seu personagem tentando consolida-lo como o verdadeiro herói, ou, como narra as páginas de Herbert, “o verdadeiro Messias”. Fica ainda mais claro que quando a corrupção se entrelaça nas relações político-sociais e envenena aqueles que sustentam o poder e a diplomacia, não há outra solução a não ser o derramamento de sangue. Artreides (Timothée Chalamet) compreende isso muito mais rápido que aqueles que estão à sua volta e consegue mostrar força, influência e vontade diante do que está disposto a enfrentar. Enquanto que no primeiro filme vemos mais de uma narrativa disputando seus momentos de tela e a confirmação de cada personagem, agora, as narrativas se confluem, formando assim, um todo da obra. 

A grandiosidade da história que está sendo contada não é minimizada pela escolha de Villeneuve. Muito pelo contrário, ele não tem medo de abraçar todo o propósito que Duna tem. As cenas em planos fechados e com riqueza de detalhes, agora são substituídas pelas grandes dunas de Arrakis e concentra-se na formação da guerra que está para acontecer. Chalamet e Zendaya (que faz a fremen Chani) mantém uma relação de “sim e não”, ou seja, a cumplicidade que ambos tinham construído no primeiro filme esfria agora, colocando em dúvida a presença e o plano de Artreides. São dois jovens atores que sabem quais os papeis precisam desempenhar. O futuro do cinema passará por essas mentes brilhantes. Quem brilha também são as outras três adições do elenco: Austin Butler que rouba a cena como Feyd-Rautha e Florence Pugh como a princesa Irulan Corrino. Pugh, provavelmente ainda nos mostrará muito nessa jornada. Anya Taylor-Joy é Alia Artreides, a irmã de Paul que ainda não nasceu, mas, através dos sonhos do irmão também concede sua contribuição ao elenco. 

Rebecca Ferguson também cresce em sua jornada: Lady Jessica Artreides, grávida de Alia, ocupa o posto de Reverenda-Madre da irmandade do povo das dunas e, sua presença em tela é grandiosa, tanto quanto todo o conjunto da obra. Podemos perceber que há uma dupla jornada – por mais que insistimos que Villeneuve concentra-se numa única narrativa – ,tal narrativa consegue ascender dois de seus personagens mais poderosos, nas quais, mãe e filho precisam encontrar o próprio destino num futuro perigoso, de mortes, violência e incertezas.   


Rapidez do roteiro é um problema? 

Para quem já leu a obra de Herbert percebe que as cinco horas e meia que os dois filmes de Villeneuve ocupam não é o bastante para adaptar na íntegra mais de mil páginas dos dois primeiros volumes desta saga literária. O que sentimos nesta sequência é que o roteiro vai deslocando diálogos e personagens de uma gruta para outra, de uma montanha de areia para outra, o que pode se tornar uma experiência exaustiva para quem deseja acompanhar mais de perto tudo o que está acontecendo. Por causa disso, essa rapidez poderia se tornar um problema; contudo, Duna se preocupa com uma luta e disputa de poder dentro de cada povo, ou seja, internamente. A família Artreides é vítima de um golpe e só sobreviveram ao se refugiar entre um povo que até então não eram vistos como simpatizantes de tal existência. Agora, este mesmo povo das dunas se vê “obrigada?” a acolhe-los até mesmo em postos de poder. 

Ainda veremos que tal feito da família Artreides dará aos fremen vantagens e um futuro próspero afim de não terem que sobreviver às escondidas, mas poderão viver dignamente com vossas filosofias de vida. Contudo, se um império é erguido sob mortes e sangue, a devolutiva também poderá não ser tão diferente. Facções, forças contrárias e sentimento de vingança nascerão entre o restante do planeta e essa guerra que se iniciou desde o primeiro volume está longe de encontrar um final. 

Portanto, com Duna 1 que coleciona 6 estatuetas de 10 indicações do Oscar, incluindo o de Melhor Fotografia poderá continuar fazendo história em suas premiações. O filme concorreu a Melhor Figurino; Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Filme, que perdeu para outras obras tão boas quanto. A sequência, de certa forma, consegue corrigir algumas questões do longa de 2021, mas, talvez ela peca em artificializar alguns conflitos internos que, talvez, poderiam ter sido tratados com menos grandiosidade e mais intimidade. A cena de Jessica Artreides tornando-se a Reverenda é digna de Oscar, contudo, faltou intimidade, plano detalhe, talvez, mais cores. Nem sempre a grandiosidade consegue transmitir a nós o que é poderoso. Uma coisa é certa: Denis Villeneuve está prestando uma respeitosa homenagem a Frank Herbert, dado sua preocupação com a fidelidade e originalidade de uma obra que conta com 60 anos de publicação.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.