14 Dec
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Criada e dirigida por Heitor Dhalia (que também dirigiu a série brasileira Arcanjo Renegado) e, com roteiro assinado por Bernardo Barcellos e Bruno Passeri, DNA do Crime é a nova aposta brasileira. A série se ancora no fato real que aconteceu em 2017 na Ciudad del Est, cidade fronteiriça com Foz do Iguaçu (Brasil) e Puerto Iguazú (Argentina), onde um roubo grandioso comandado por uma Organização de mais de 50 indivíduos invadiu uma empresa de transportes e detonou um cofre com mais de R$ 125 milhões. O caso ganhou proporções internacionais por conta de alta organizações dos ladrões e o elevando valor roubado. 

Dhalia se vale deste caso e constrói a narrativa, primeiro valendo-se do fato e de tudo o que ele representa para as organizações policiais (Federal, Militar, Civil) e empreende uma história carregada de tensão, seriedade e com excelentes desenvolvimentos de personagens. Há quem diga que o alto número de personalidades no elenco poderia se tornar confuso e um problema para as avaliações críticas da série. Porém, os oito longos episódios são dignos de uma maratona ao prender o telespectador na vida de cada um que ali se apresenta. DNA do Crime não é só sobre polícia-ladrão, ela envolve sede de poder; sucesso na carreira policial; suborno e traição dentro da delegacia; família; vingança; justiça. 


A química entre parceiros de trabalho 

Quem protagoniza a história é a dupla de policiais Suellen e Benício (Maeve Jinkins e Rômulo Braga). Enquanto Benício é afamado por ser aquele que quebra todos os protocolos, é impulsivo, tem problemas no trabalho em conjunto, Suellen está retornando de sua licença-maternidade e se vê diante de um quadro em que precisa provar o seu valor. Benício ainda lida com a situação familiar, cujo sua relação com seu filho não é uma das melhores, uma vez que, em nome de sua carreira policial e por amar tanto seu trabalho, acabou perdendo todos os momentos especiais e significativos dele e da família. Suellen ainda lida com um casamento que pode não durar muito também por conta das exigências do trabalho. 

Outros personagens são dignos de atenção: o delegado Rossi (Thomas Caetano) que nos deixa um pouco inseguros por conta de sua dedicação não em nome do sucesso das operações, mas por reconhecimento. O marido de Suellen, Fernando (Erom Cordeiro) que ganha poucas, mas ótimas cenas nas quais a narrativa de tensão, perdão, amor e família se entrelaçam e apimentam um roteiro que já está excelente. Yuri (Giovanni de Lorenzi), um jovem policial forense maravilhoso, sonhador, inteligente e apaixonado pelo seu trabalho. Responsável por coletar os DNAs nas cenas do crime e de enviá-las para análise. Um personagem que tem muito pra crescer em futuras temporadas. O jovem policial Guilherme (Thiago Brianti), que por ser filho de um Senador, tenta receber tratamentos especiais... acaba cedendo à pressão e trai toda a operação. 

Enquanto Benício e Suellen emplacam cenas de perseguição, de diálogos intensos, movimentações perigosas e muita credibilidade e companheirismo no trabalho, toda o restante da equipe consegue se equilibrar muito bem em suas cenas de atuação. Rossi consegue conquistar a nossa atenção, que, mesmo sabendo onde pisa, ele confia em Benício, confia em sua equipe e avança junto com todo mundo. Suellen, quando volta para casa, para seu marido e sua filha também entrega um show de atuação. DNA do Crime precisa lidar com o trabalho profissional e a lida familiar e pessoal. As duas realidades precisam ser uma só e é positivo quando o roteiro nos mostra que nem tudo parece dar certo. 


A engenhosidade dos vilões 

Primeiro, precisamos colocar Sem Alma (Thomas Aquino) no centro dessa discussão. Aquino mostra que as motivações para chegar onde chegou – no mundo do crime organizado – nem sempre foi uma escolha fácil e de seu interesse. Tudo pode ser movido por engrenagens sociais que possibilitam o nascimento do ódio humano, da injustiça e da desgraça social que perpetram no corpo, mente e coração de cada pessoa e faz cada uma se tornar o mal que escolheram tornar-se. Não é uma justificativa para responder o porquê o mal existe no mundo e do porquê que o crime coabita junto de nós. DNA do Crime é respeitosa ao tratar de um fato que ocorreu numa das fronteiras mais cobiçadas da América Latina. E trata tudo com integridade, humanidade, justiça e com o mesmo nível de perigo e maldade que existem. 

Alex Nader ainda dá vida a Isaac, outro “vilão”, talvez possamos chama-lo assim, que assume a cabeça da Organização dos roubos, assaltos e invasões em penitenciárias para resgatar seus parceiros, chamados de “somos uma família só”. Deixamos pra citar aqui também a dupla personalidade, ou aquele que faz o papel de agente duplo, o policial Moreira, ou o bandido Máscara (Guilherme Silva). A presença dele na série gerou desconforto, não porque não foi bem trabalhado, mas porque gerou desconfiança, em toda a equipe, mas também no telespectador. Outra jogada acertada de Dhalia: o desconforto que gera com a desconfiança é o tempero especial em séries policiais. 

Apelidar DNA do Crime como o CSI Brasileiro talvez seja subestimar o valor e a qualidade que a produção nacional tem. E que poderá crescer muito mais com novas temporadas. O roteiro é amarradinho, não deixa pontas soltas e nada fica sem motivo e sem explicação. Benício perdeu um colega policial, o seu antigo parceiro e a maestria em amarrar também este fato deu à história maior interesse humano e do público. A vingança se mistura com a justiça. Benício, por vezes, deixa o ódio e o interesse pessoal tomar conta de si e sua face que é sempre carrancuda, nada de risadas, de sorrisos, anda de expressões alegres e satisfeitas, mas sempre um queixo trancado e um rosto sem semblante de paz. 


Entre explosões e emoções 

Jinkins, além de ter feito grande sucesso em Os Outros, série brasileira, também está em alta com o reconhecimento e premiação de Pedágio, filme da diretora Carolina Markowicz. A atriz consegue entregar fortes cenas com sentimentos carregados de dor, fúria, tristeza, dúvida e amor. Jinkins então já se provou ter uma personalidade forte e tudo o que for interpretar também será carregado de fortes emoções. Em DNA do Crime, numa leitura metafórica, percebe-se que grandes explosões na corrida entre polícia-ladrão também podem acontecer dentro de casa na corrida entre amor-sexo, família-trabalho, filhos-sucesso profissional, liberdade-casamento. São explosões que acontecem de dentro. 

O desfecho de Suellen na primeira temporada é sugestivo e nos deixa angustiados, pois agora a policial que está envolvida num dos maiores trabalhos e mais ambiciosa busca da sua Delegacia é também uma mãe que rompeu seu casamento e precisa lidar com isso. Sua jornada agora empreende dividir a atenção da filha com o pai dela e administrar essa nova realidade. Por outro lado, pouco se avançou na vida de Benício. Uma primeira tentativa em tentar reatar com seu filho não foi bem acolhida pelo adolescente e as coisas parecem carecer de mais narrativa; mas aqui faz-se outro paralelo entre Benício e Sem Alma: de um lado, um policial ateu, ausente na vida do filho e que carrega grande culpa por isso; do outro, um bandido, profundamente religioso e que ama muito seu filho e a esposa e que não tem nenhum sentimento de culpa pela ausência, pois este, “confia no Senhor Deus”. 

DNA do Crime soube se desvencilhar dos clichês em produções do gênero e aposta fortemente no desenvolvimento de seus personagens entrelaçado com o fato que pretende narrar. Uma segunda temporada será muito bem-vinda e os avanços com o traidor Guilherme pode nos surpreender; Yuri e seu sucesso no laboratório criminal de Brasília também pode ganhar novas nuances e Suellen, ah, Suellen, como você irá administrar tudo o que está acontecendo consigo?





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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