15 Sep
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Sim! Cobra Kai segue sendo a melhor produção para jovens da atualidade. Sequência primorosa da trilogia de Karatê Kid, a produção que ganhou interesse da gigante dos streamings começou sem grandes ambições na plataforma do YouTube – onde foram transmitidas as duas primeiras temporadas –, segue sua narrativa com a quinta temporada. Abandonando um pouco as incongruências e indecisões da fase estudantil/jovem, a nova história volta-se para os núcleos familiares. Divergências conjugais e responsabilidades de pai e mãe tornam-se o núcleo central. Na nova temporada temos o retorno de Terry Silver (Thomas Ian Griffith) que já havia aparecido na temporada anterior e também de Chozen (Yuji Okumoto) e de Mike Barnes (Sean Kanan). 

A nostalgia é o ponto alto de toda a série. Trazer de volta personagens do universo original de Karatê Kid (1984 – 1989) não é só uma forma de adaptação roteirística, mas é uma homenagem e uma celebração. As cenas, por exemplo, com o eterno Sr. Miyagi (Pat Morita, 1932-2005), dos filmes que voltam nos flashs da nova série são emocionantes e muito bem encaixadas na nova história que a série pretende contar. 

De volta, Ralph Macchio como Daniel LaRusso e William Zabka como o veterano Johnny Lawrence, a nova temporada precisa devolver os papéis dos protagonistas para o centro dos atos. O primeiro ato preocupou-se em destruir o que estava pronto; desestruturar o que não parecia ser possível derrubar. O segundo e terceiro atos, os dois, agora, amigos, precisam voltar as coisas para o eixo. Esquecer dos interesses pessoais e se lembrar que família e amigos supõem mais uma outra pessoa, mais alguém, que é diferente de mim. Tanto a família LaRusso, quanto a Família Lawrence/Díaz precisam se reconectar com os filhos e com a própria vida conjugal: Daniel deixa de lado a esposa, Amanda LaRusso (Courtney Henggeler) que sozinha tenta lidar com o drama dos filhos Samantha (Mary Mouser) e Anthony (Griffin Santopietro); Johnny precisa lidar com Carmem (Vanessa Rubio) e o filho Miguel Díaz (Xolo Mariduena) que vive em guerra com seu filho Robby (Tanner Buchanan). 


A melhor produção para jovens e suas situações sociais 

Se nas primeiras temporadas os temas do bullying, do preconceito de classes, racial, os dramas da escola, as rinhas de amizade, a puberdade e a difícil fase da adolescência eram os grandes pontos altos das histórias, as temporadas mais atuais cresce seu desenvolvimento narrativo, na medida em que aumenta, também, os desafios familiares e relacionais. As plataformas de streaming estão cada vez mais explorando o universo teen em suas produções. Na Amazon Prime Video, por exemplo, uma série que não ganhou tanta repercussão, mas que está no páreo dessa temática é O Verão Que Mudou Minha Vida (Jenny Han, 2022)que vai mais à fundo nas questões entre jovens e família, e ainda inclui às claras o tema da doença terminal. 

O tema da doença como um dado que entra em nossa vida sem pedir licença ainda não foi abordado às claras em Cobra Kai, mas seus criadores já deixam claro desde a terceira temporada que ela existe ali, atrás da cortina, e em cada temporada, a série vai preparando o público para este ato. Agora, na quinta temporada, a cortina abriu-se um pouco mais, e foi possível vislumbrar uma maca de hospital num quarto afastado dentro da casa de Tory Nichols (Peyton Roi List). Tory, desde o início carrega aquele estigma da jovem moça que teve que aprender com a vida a sobreviver. Que se tornou o que é por falta de oportunidade. Tendo que lidar com um parente doente, acamado em casa, precisou aprender a trabalhar na ilegalidade do mercado. 


As abordagens (extra)conjugais 

Nenhum núcleo familiar, nenhuma relação (extra)conjugal começa pelo amor, com amor ou para o amor. Ninguém se casa – ou, ninguém deveria se casar – porque ama a outra pessoa. O matrimônio começa pelo respeito, pela admiração, amizade, empatia, corresponsabilidade, fraternidade, humanidade... sentir no outro a mesma intensidade humana que eu percebo em mim mesmo. Dizer que o amor é consequência disso, talvez não seria a forma correta de tratar uma virtude eterna como essa, que transcende os parâmetros do ser humano, mas só ama quem primeiro respeita. 

Cobra Kai explora os núcleos familiares sem as pré-concepções clássicas sociais. A narrativa sabe introduzir famílias bem estruturadas, famílias que se constroem sem o laço matrimonial, famílias “quebradas”, pelo tempo e pelas relações... e tudo sem julgamentos, simplesmente mostra que elas existem, e tentam cuidar e educar da nova geração. Cobra Kai explora o de melhor e o de pior que envolve a fase da juventude. O jovem é aquele que está em constante busca. Busca um lugar; busca um sentido pra viver; busca uma forma de se provar, de superar seus limites; busca identidade forte afim de comandar; busca uma paixão; busca um igual ou algo, ou alguém com quem possa se identificar e confirmar-se... E nunca para de procurar. Aquele que para se perde, fica para trás, encontra caminhos não muito saudáveis e por eles se aventuram por uma vida desenfreada, fragmentada, solitária às vezes... E isso acontece porque a sociedade não se importa com quem para e fica para trás. Quem para não produz. E quem não produz gera prejuízo pro sistema. O ritmo frenético e ativista em que vivemos esfacela nossa juventude e deixa-os à margem de um mundo que não se importa com o que eles pensam, mas sim com o que eles podem render. 


Por fim, o legado daqueles que se foram 

Tentando não desfazer de outras produções teen como Sex Education (Laurie Nunn, 2019); Heartstopper (Euros Lyn, 2022); Eu Nunca... (Mindy Kaling, Lang Fisher, 2020); Elite (Carlos Montero Castineira, Dario Maradona, 2018); Bridgerton (Chris Van Dusen, 2020), e tantas outras, o legado que Cobra Kai recupera com os mais velhos, ou aqueles que se foram é um diferencial que precisa ser levado em conta. Todo jovem tem em sua vida uma referência, seja religiosa ou seja na vida social. A experiência de vida dos idosos com a força e a vitalidade dos mais jovens é costurado numa narrativa muito próxima do real. É emocionante ver as cenas em que um personagem ou outro, quando se perde em sua missão, ou fracassa em seu projeto busca o mais experiente de vida para ouvir conselhos ou desabafar. As próprias idas de Daniel ao cemitério no túmulo do sr. Miyagi é um gesto humano muito significativo para os jovens. Valorizar a experiência de vida de quem veio antes de nós e viver o máximo que puder ao lado deles é um presente que precisamos cultivar a cada dia. 

No pano de fundo disso temos a luta contra a sociedade do descarte. A temporada se encerra com a grande lição: “ou você luta contra, ou você luta por algo”. Enquanto estiver lutando contra, você se põe como seu próprio inimigo. É inimigo de suas próprias ações, culpa-se pelas falhas, põe a arrogância na frente da gentileza. Lutar por algo é voltar naquela eterna busca por propósito, por algo que dê sentido à sua vida.





Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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