09 Jan
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Iniciada por um projeto tímido e sem muitos recursos pela plataforma YouTube, Cobra Kai se tornou uma das melhores produções voltadas ao público jovem. Numa seara farta com Sex Education, Rebelde, Elite, e outras, a produção que dá seguimento à franquia do Karatê Kid é agora um grande sucesso na Netflix que chega à sua quarta temporada. Trazendo de volta às telas nomes como Ralph Macchio que vive Daniel LaRusso; William Zabka como o veterano Johnny Lawrence; Martin Kove que volta a viver John Kreese, o elenco da velha guarda encontra nos novos rostos a atualização no exato ponto em que a juventude precisa assistir. 

A série aborda com muita leveza e naturalidade questões e temas entre jovens sem descambar à sexualidade obscena e à diálogos genéricos. O roteiro é excelente e cuida de cada cena que envolva um encontro mais próximo entre dois jovens. Entre adultos e adolescentes, famílias e a solteirice, Cobra Kai determina episódio a episódio como que pais e filhos podem sentar-se juntos e aprender coisas simples que precisam ser vivenciadas entre uma família. 


Um elenco mais diverso 

Quando assistimos aos clássicos do Karate Kid, percebemos que há uma exagerada na construção dos personagens. Não há negros em destaque e as mulheres vivem personagens secundários que servem apenas para suporte masculino para assim, sobrepor a masculinidade alfa. Agora, desde a primeira temporada, a presença feminina é equiparada à dos homens que buscam maneiras de se defender e forças para lidar com questões próprias da juventude. A filha do casal LaRusso, Samantha LaRusso vivida por Mary Mouser e sua rival inimiga, Tory Nichols (Peyton Roi List) são excelentes personagens que exaltam a presença da mulher, sobretudo nessa faixa etária da vida. Tory vive um drama familiar complicado enquanto Samantha é uma filha que sempre teve tudo, inclusive pais. 

Os jovens da nova geração, Miguel Diaz (Xolo Maridueña) e Robby Keene (Tanner Buchanan) não são simplesmente inimigos. Eles trazem para a narrativa mais que motivos para lutar num dojô afim de decidir quem é o campeão nas artes do karatê. Mas, a maior luta que cada um deles enfrenta é existencial, familiar. Ambos vivem momentos de abandono, ódio, falta de apoio paterno e crises humanas que os fazem questionar quem são e para onde vão. Ao mesmo tempo, temos a nacionalidade da família de Miguel, que são imigrantes mexicanos – se legalmente ou não, não sabemos – mas é uma família que tenta se ajustar num novo lugar, novo mundo, com novas culturas. 

E, para incrementar ainda mais, a quarta temporada inseriu o pequeno Kenny Payne (Dallas Dupree Young). Negro e que tem um irmão no reformatório. Payne encontra no dojô do Cobra Kai uma oportunidade de poder se desvencilhar dos ataques de bullying que sofre na escola


Quem estava nas sombras, teve seu momento de glória 

Cobra Kai também acertou em cheio em poupar um pouco seus protagonistas e dar cenas essenciais para seus coadjuvantes. Isso revela que ninguém é sombra de ninguém. Todos têm seu momento de poder mostrar a que veio. Demetri (Gianni DeCenzo), Eli, o “águia” (Jacob Bertrand), e muitos outros jovens da série foram se destacando revelando o quanto que a fase da adolescência para a juventude vai se desenvolvendo e fazendo com que seus personagens também se desenvolvam. 

Depois do perfeito retorno de Thomas Ian Griffith como o temível Terry Silver, a quarta temporada encerra trazendo, ao lado de LaRusso, o inimaginável Chozen (Yuji Okumoto) que esteve em Karatê Kid 2. A série não só revisita o passado, mas o traz para o presente levando em conta todas as mudanças sociológicas e antropológicas que o mundo viveu. Cobra Kai tem um compromisso social muito importante: mostrar que a rivalidade pode destruir um ser humano por dentro, pois ela nos impede de enxergar o outro como um igual. 

Cobra Kai é inteligente. Tem trama inteligente. Roteiro inteligente. E é uma das melhores séries de Drama da atualidade com a melhor desenvoltura de personagens. Há quem esteve por três temporadas nas sombras, mas vimos uma quebra de padrões sociais como se estivéssemos num desfile de moda que não se importa com as medidas do manequim. 


Os jovens e seus hormônios à flor da pele 

Essa empatia é um sentimento que a raiva e o espírito de vingança quando exalados à flor da pele dos jovens, não fica muito claro. Não se trata de dizer que a juventude não saiba ser empática e fraterna, mas que é uma ação que se esconde por trás dos hormônios da adrenalina e da “sede de dar o troco”. É o que Amanda LaRusso vive com sua filha Samantha quando ela não entende o que a mãe fez para salvar e dar uma segunda chance à Tory. A hilária cena da psicóloga entre o casal LaRusso afim de tentar resolver o problema do filho Anthony LaRusso (Griffin Santopietro) também revela o quão faz falta a participação dos pais na criação, desenvolvimento e educação dos filhos. Isso, quando somado, também, ao uso de eletrônicos em excesso. Fazendo da criança um dependente viciado digital. 

Uma maior emoção nos toma conta nesta temporada, e isso não é ruim. Os duelos dos jovens casais protagonistas são maravilhosos até numa pista de dança que vai seguir para uma luta coreografada e terminar na piscina. Amores e desafetos, ciúmes e inveja por conta do outro vestido que é mais bonito, mas vulgar, são tudo sentimentos dos jovens e faz parte, com maestria, de Cobra Kai. Não se trata mais da rivalidade entre LaRusso e Lawrence. Esse arco concluiu-se muito bem. Mas é mais sobre os sentimentos, sobre a juventude que hoje tenta sobreviver ao afogamento das informações, das tecnologias e à cegueira de uma vida mais brilhosa pelos neons das grandes cidades. 

Cobra Kai é também sobre família. Nem sempre é uma família de pai e mãe e filhos, mas pode ser de mãe e avó que educam o filho; de uma filha que não tem nem pai e nem mãe e tenta mudar de vida, sem apoio, para não voltar ao reformatório; de filhos que têm tudo, mas faltou a presença dos pais quando mais precisaram...




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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