28 Mar
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Em sua segunda temporada, Carlos Saldanha, criador da série tira-nos dos centros urbanos e nos lança entre as colunas verdes da floresta nacional. Com a metade dos episódios a obra também não se reconhece pelo potencial que possui e permanece com uma narrativa tímida e com medo de denunciar a violência que a natureza sofre. Eric, o personagem de Marco Pigossi, um policial ambiental tenta sustentar o foco da narrativa, mas quem ganha destaque são as lendas do folclore (ainda bem). Eric cumpre com o seu papel com sua pouca força, mas com boa atuação de Pigossi. 

Depois de termos sido apresentados a uma Cuca (Alessandra Negrini) misteriosa e poderosa, menos assustadora que as lendas e a Iara, a sereia brasileira (Jessica Córes), a série explora mais a fundo outras lendas. Primeiro as atrizes Letícia Spiller, Simone Spoladore e Zahy Guajajara roubam a cena interpretando a bruxa Matinta Perê, a Mula-Sem-Cabeça e a cobra Maria Caninana, filha de Boiúna, gêmea da Cobra Norato. O elenco feminino e indígena está impecável e ganha pontos positivos nesta segunda temporada. A decaída de Eric é significativa e necessária para que as lendas ganhem espaço de tela e relevância na narrativa. Infelizmente isso foi feito da pior forma possível. 


Do centro do Rio de Janeiro para o Norte do Brasil 

A mudança drástica de cenário tem um significado para a mitologia das lendas, contudo, no roteiro isso abriu um buraco imenso e a falta de empatia com quem acompanha a história é visível. A série perde sua força narrativa perdendo-se completamente no espaço tempo. Muito tempo se passou e esse hiato foi simplesmente desconsiderado. A investigação policial que estava em progresso na primeira temporada não é, nem mesmo, mencionada. A problemática ambiental é o único gancho aproveitado e agora, ele é mais grave, pois toca os povos originários da terra e são diretamente ligados à natureza em geral. Os indígenas estão sofrendo por conta de um garimpo ilegal no centro da floresta amazônica e as lendas folclóricas surgem nesse contexto como defensores da Mãe-Terra, o lugar Sagrado de nosso povo. 

Duas frentes narrativas se seguem nesta temporada: a primeira segue as entidades do folclore tentando defender e proteger o Mangaratu, um lugar sagrado no meio da floresta protegido por suas forças e poder místicos; a segunda segue a filha de Eric em sua busca, até descobrir que ele está neste local sagrado, também protegido pelas entidades. As duas histórias não conseguem se conectar construindo um núcleo definitivo. Elas não funcionam e desarmonizam os poucos episódios. Tal desarmonia também quebram o clímax que os atores construíram com seus personagens: Cuca e Eric perdem sua sintonia e tudo fica artificial, inclusive os diálogos. 


Não são maldições, mas a força da natureza 

Mesmo que a série peque em relação a isso, num determinado momento a Cuca diz que “não existe força ou poder ruins e maldosos, são as pessoas que são más e corrompem o poder”. Só que a série contradiz isso ao colocar um Eric que suga as energias das outras entidades, inclusive tirando da Cuca toda a potencialidade que essa lenda tinha de elevar o nível desta série. Matinta Pere chegou afirmar que a Cuca é a mais poderosa e perde-la significaria o ruir de tudo, mas essa ameaça ficou resumida demais, pequena demais, desmerecida. Se a força está na floresta, se o poder vem da natureza, isso deveria ter ficado em evidência e a natureza deveria ter assumido, de fato, o protagonismo nesta nova leva de episódios. 

A natureza, a floresta, a cultura dos povos originários e dos indígenas possuem uma potência histórica incrível. Eles têm ferramentas poderosas para defender a terra, curar os humanos, denunciar a corrupção, desafiar a política, mas nada disso foi explorado. O único acerto de Saldanha foi o cuidado meticuloso com o novo elenco. Incluir personalidades que representem a cultura local foi mais do que justo, mas esse acerto foi desperdiçado num roteiro tímido e com medo de ir mais além.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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