15 Mar
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“Era algo sobre o qual eu não queria mentir. Eu precisava mostrar aquilo pelo que realmente era e desmistificar qualquer tipo de mito. Foi uma experiência bem ruim. Nos disseram que existia uma ameaça lá e que nós deveríamos combatê-la, só que não era verdade. Chegando lá, você descobre que o problema é você. Parecia que estávamos apenas tentando provocar o máximo de combates que pudéssemos”.    

[Nico Walker, Cherry, 2018].   



Não é nenhuma novidade para nós que Tom Holland só vai crescendo na indústria do cinema. Seu nome em Hollywood é destaque e promissor. O jovem de 24 anos se destacou nas mãos da Marvel ao interpretar a nova geração do herói da vizinhança, Peter Parker, o Homem-Aranha. Mas, Holland já havia sido destaque quando esteve estrelando Impossível em 2012 dirigido por Juan Antonio Bayona. O desastre natural do tsumani de 2004 na Tailândia deu a Holland o papel de um adolescente que lutava para sobreviver e salvar sua família, ou o que restava dela. A partir de então, o garoto demonstrava que tinha talento para ir muito mais longe. 

E foi aí que, através da Netflix, em 2019 que Holland reaparece em O Diabo de Cada Dia. O longa coloca o jovem ator numa trama dramática e mais uma vez, num papel difícil de ser adaptado para as telas, mas a ousadia e a entrega sincera do ator conquista-nos novamente. 

Em 2016 Tom Holland aparece no MCU – Universo Cinematográfico da Marvel – no papel do Homem-Aranha em Capitão América: Guerra Civil. Logo depois o teioso ganhou seu filme solo e em 2022, Holland estrela a trilogia de Parker, isso, sem mencionar as aparições do herói em outros longas do MCU. Agora é a vez da Apple TV+ alçar mais um voo ousado para o jovem promissor: Cherry: Inocência Perdida reúne Holland mais uma vez na direção do irmãos Russo (Joe e Anthony) numa trama dramática de duas horas e vinte minutos. 


Cherry é um livro de experiências traumáticas 

Cherry: Inocência Perdida conta a história de um jovem (Nico Walker/Tom Holland) que viveu uma experiência como soldado socorrista na Guerra do Iraque. Ao voltar do campo de batalha Walker se encontra num trauma-pós guerra no qual se entrega a comprimidos que o ajudam a superar as crises de pânico. Não resolvendo, ele e a esposa se entregam ao vício das drogas e a sede por usar cada vez mais, Walker torna-se ladrão de bancos. 

Usando dos recursos das legendas e dividido em cinco partes, a direção dos irmãos Russo coloca o personagem principal numa luta constante e diária por busca de quem é o que deseja ser. Cherry é sobre vocação, missão e identidade pessoal. É sobre tudo isso e muito mais. É sobre a adolescência e a juventude que a cada dia não sabe onde tudo vai parar. É sobre escola, faculdade e trabalho, casamento e família. 

O longa é inspirado na obra de Nico Walker de mesmo nome. Uma obra quase autobiográfica. Walker viveu a experiência como soldado na Guerra do Iraque e também ficou doente com os traumas e distúrbios após a guerra a ponto de não conseguir dormir por conta dos pânicos que todos os dias o atormentava fazendo-o ouvir os barulhos das armas, bombas e vendo seus companheiros do campo de batalha morrerem. 


As possibilidades de futuro que se abrem para os jovens 

Walker é aquele jovem que sempre viveu suas desventuras e decepções da vida. Nada diferente de qualquer outro jovem. O que pesa nessas experiências é a falta de suporte que os faça superar, reerguer a cabeça e seguir em frente. Os dramas da sexualidade e promiscuidade ficaram em segundo plano em Cherry, no entanto, isso não tirou a preocupação e o tamanho do problema que as experiências negativas podem fazer na vida de um jovem. 

O caminho da cocaína, da heroína, do ônix, da maconha, LSD sempre estiveram abertos a Walker. Mesmo antes da guerra, antes do casamento com Emily (Ciara Bravo), essa porta já havia sido aberta. No período do colégio, Walker e Emily se conheceram e se apaixonaram um pelo outro. Aquela moça meiga, inocente e de laço branco de fita fina de cetim no pescoço conferia a ela uma marca de pureza e de leveza. Walker se deixou seduzir por esse detalhe romântico. 

Emily, no entanto, tinha planos de ingressar na faculdade e de se formar. Um projeto de vida que não incluíra Walker. Desgostoso com a decisão dela, Walker decide afogar a rejeição de sua paixão servindo ao país no campo de batalha. Quando Emily volta atrás, já não era possível para Walker desistir do alistamento. Os dois decidem-se casar dias antes de Walker ser recrutado. 


De herói de guerra a assaltante de bancos 

No campo de batalha Walker viu, sentiu, ouviu e viveu cenas que ficaram em sua memória para sempre. A falta de estrutura psicológica e preparo emocional destruiu sua mentalidade e sua condição saudável de vida. Walker viu seus quatro parceiros sendo queimados em sua frente. Seu choro preso e doído é uma cena que nos machuca por dentro. Um jovem soldado que nunca teve um respaldo e um preparo que o ancorasse nessas situações não teria, jamais, estrutura para superá-los. 

Assim sendo, seu retorno a uma possível vida normal acabou não acontecendo. Tentando retomar seu casamento com a jovem Emily, Walker se via a cada dia afogado nessas cenas da guerra e a cada dia desenvolvendo mais forte o trauma e as crises de pânico. Os remédios já não estavam ajudando mais. Sua única salvação foram os narcóticos, cada dia mais pesados e com mais frequência. Emily se entregou ao vício também. 

O ato final começa a se desenrolar quando Emily tem uma overdose que quase a mata. Enquanto Walker assalta banco atrás de banco, Emily ainda tem um serviço de professora numa escola, no qual a cada intervalo, precisa injetar heroína na veia para se manter de pé. Quando ela quase morre, Walker decide deixa-la e se afasta dela. 

O arco começa a se fechar quando Walker preso a uma dívida gigantesca para um explorador e corrupto do beco das drogas. Um último assalto foi planejado e Walker se entrega. Entra para a reabilitação e parece vencer o vício. 

Por fim, os vestígios dos irmãos Russo ainda permanecem no decorrer do longa. É preciso muito mais que um Cherry para se desintoxicar dos Avengers e do MCU. Mas os planos amplos e as grandes cenas com profundidade entregam a marca dos irmãos Russo querendo sempre nos impressionar com grandes cenas. O roteiro é falho, inseguro e questionador. Deixa a adaptação desconectada dos eventos que vão se sucedendo com o personagem de Holland que foi muito bem representado pelo ator. 



“Ele me convenceu, então dei um passo de cada vez. Eu decididamente não queria escrever apenas memórias de não ficção. No começo eu não tinha muito tempo. Eu tinha um trabalho, trabalhava o dia inteiro como tutor. A cadeia era bem cheia, então não havia muita solidão para botar as ideias em ordem” 

(Nico Walker, ao darkside.blog)



Por Dione Afonso 

Jornalismo PUC-Minas

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