06 Mar
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Obra homônima com caráter policial e um thriller misterioso, Bom Dia, Verônica apareceu no mercado em 2016, inicialmente sob a sombra de um pseudônimo: Andrea Killmore. Mais tarde, a obra decide revelar seus verdadeiros escritores: Ilana Casoy e Raphael Montes, ambos escritores já consagrados em literaturas deste gênero. A história, mesmo sendo considerada uma ficção não desiste em nos mostrar uma realidade que está nua e crua ao nosso redor: a violência e a ideologia da negação. Não demorou muito para que tal narrativa não despertasse o interesse dos streamings em adaptá-la e apresentar para o público como que tal face tão cruel e desumana pode nos atingir. 

A história nos apresenta Verônica Torres, na série é vivida por Tainá Müller, uma escrivã da Polícia que se depara com a negligência do departamento ao se deparar com um caso de violência doméstica. Inconformada com a atitude da delegacia, Torres decide buscar justiça, nessa jornada ela começa a descobrir as falhas do sistema judicial, policial e os esquemas de corrupção e de omissão por parte de autoridades que deveriam estar a serviço da segurança e da justiça. Dividida em três temporadas, a produção não mediu esforços para não se prender a esquemas pré-estabelecidos na nova linguagem. Um dos exemplos é vermos que cada temporada se ajustou, sobretudo na quantidade de episódios, para que a narrativa original de Casoy e Montes não se descaracterizasse. O que funcionou muito bem. 


A violência mora ao lado 

Desde a primeira temporada (2020), é nítido percebermos que os casos de abuso, de desaparecimento de pessoas, de feminicídio e de violência doméstica não são realidades distantes de nós. Com as personagens Janete (Camila Morgado) e o policial militar Brandão (Eduardo Moscovis), percebemos que esses casos acontecem todos os dias debaixo de nosso nariz. Ao conseguir identificar Brandão e todo o seu esquema corrupto e nojento, Verônica percebe que se envolve em um esquema muito maior do que o que estava imaginando. Não é atoa que o Brasil tem um alto índice de feminicídio. Em 2023, o Ministério da Justiça divulgou que por dia 4 mulheres são vítimas de violência doméstica; o primeiro semestre registrou um aumento de 33,4% em relação a 2022. 

Esse tema não é algo simples de se adaptar para uma mídia do audiovisual. As vezes, nem na literatura é algo tranquilo de registrar. Contudo, a série consegue humanizar esta relação quando Janete e Verônica são colocadas como algo muito maior do que simplesmente vítima e policial, mas como mulheres que podem estar no mesmo barco. Algo que vamos descobrir só no segundo ano da série é que Brandão é um vilão de algo muito maior e mais violento. Ele é como o primeiro degrau dessa escada que desce para os escombros da sociedade suja e sem escrúpulos; tóxica e desumana; feminicida e corrupta. 

Bom Dia, Verônica, sem forçar a barra, trata de um protagonismo feminino fundamental ao tratar de um gênero pesado e de difícil acesso aos nossos conhecimentos. A produção é impecável, na verdade, estamos diante de ótimas produções, as atuações sempre foram perfeitas e de um primor inigualáveis. Em tempos de fastio hollywoodiano, dar uma chance aos produtos do país é um ato de bom senso e de credibilidade com o que a nossa gente produz. Em vôos nacionais, por exemplo, quantos de nós passamos muito tempo em aeronaves de lá para cá, do Nordeste para o Sul, do Norte para o Sudeste e no catálogo das empresas de aviação, não encontramos os filmes e as séries nacionais, nossos, brasileiros. Onde será que estamos errando? A série também consegue dar personalidade à policial que, a partir do momento que se torna uma foragida e caçada pela própria polícia, descortina-se diante de nós uma mulher durona, decidida, curiosa, sem medo e disposta a ir até o final. 


O final: A Última Caçada 

É impressionante, é sujo o quanto que percebemos que o que o poder, o dinheiro, os ricos, os gananciosos são capazes de controlar neste país. Com o personagem de Eduardo Moscovis fora de cena, a série apresenta-nos Reynaldo Gianecchini no papel do missionário Matias Carneiro. Desta vez o vilão é uma personalidade místico-religiosa que “carrega em si o poder da cura” e que utiliza desse seu rebanho para seguir a trama. Este segundo ano (2022) é ainda mais pesado do que o primeiro. A temática da religiosidade até certo ponto funciona, mas ela deixa de ser útil quando os problemas de roteiro não conseguem dar conta de sua presença e encerra a história sem uma justificativa. 

Mais duas personalidades femininas dão tom e voz à história. Ao lado de Gianecchini, Camila Márdila e Klara Castanho complementam o elenco fazendo o papel da esposa Gisele e da filha Ângela, respectivamente. Uma família adoravelmente desconfortável se descortina para nós diante da tela. Uma sensação de desencaixe, ou seja, algo ali não se completa; algo nessa constituição familiar não combina, ou não se ajeita... uma tática roteirística muito inteligente e que funcionou muito bem. Neste novo ano, Verônica também está em novo patamar: enquanto não se sabe que está viva, ela segue sua investigação, chega até Matias e percebe que algo mais e maior ainda está por vir. 

O último ano, (2024, a Caçada Final) apresenta o grau mais baixo que um crime e a sede de poder e de hierarquia, de falsa purificação e de incesto pode chegar. Maitê Proença e Rodrigo Santoro finalizam com chave de ouro junto de seus personagens: Diana e Jerônimo. O trio vilanesco – Moscovis, Gianecchini e Santoro – acertou em cheio ao transpor para a narrativa tamanha crueldade e frieza no tratamento com o outro. Não só com as mulheres, mas com tudo aquilo que não os representava. Talvez, Tainá Müller e sua personagem não tenham tido o melhor ano da série, mas o desfecho, apesar de frágil, conseguiu concluir e amarrar as pontas que a narrativa iniciou.  




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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