29 May
29May

Novo trabalho de Jennifer Lopez para o streaming é promissor. Depois de algumas investidas que não deram muito sucesso, a nova narrativa possui um roteiro afiado e honesto assinado pela dupla Leo Sardarian e Aron Eli Coleite. Sardarian e Coleite é o motivo que garantem nossa investida na história que Lopez protagoniza e está disposta a nos contar. O trabalho é comandado pelo cineasta Brad Peyton e evoca questões éticas pertinentes que há tempos a sociedade vem discutindo, entre elas a luta entre IA e a coabitação com os humanos. Em certa altura no filme, surge como um soco no estômago a pergunta: é possível robôs e humanos conviverem na mesma era? 

O que difere esta obra de outras sci-fi que também abordam as IA é a época: uma coisa é ver “inteligências artificiais” 15 anos atrás, quando a realidade delas era impossível de se imaginar e outra é ver – e experimentar – esta realidade entre nós. Este é um ponto positivo par Peyton e Lopez, pois dá uma certa autenticidade à história e conseguimos visualizar com mais aceitação o que estamos assistindo nas telas. O drama de Atlas (personagem de Lopez) não é mais distante do nosso. É comum – e possível – nos imaginar nos mesmos dramas que a personagem encara em sua jornada, inclusive a de lutar contra a existência de IA cada vez mais evoluída, avançada e inteligente que os humanos. 


Sobre IA ainda temos muito o que saber... e dizer 

Jennifer Lopez; Simu Liu; Lana Parrilla; Mark Strong e Sterling K. Brown dão vida e coração a uma história que começa com teor de superação: a ciência, a tecnologia, tentam se superar e avançar para um futuro melhor e mais evoluído. Contudo, a superação dá lugar à ambição, aos dilemas éticos e à dominação. O que ganha pontos também nesta história é que nada é previsível e cada ato nos pega de surpresa e nos encanta. O vilão Harlan (Liu), é um robô que consegue dar a volta nos humanos, engana sua criadora, Val Shepherd (Parrilla) e promete dizimar a humanidade afim de que as inteligências tecnológicas possam ditar as regras. 

O trabalho de Peyton tem coração; tem muito a dizer, mas revela que pouco sabe sobre o que diz. O que não é ruim, pois o filme possui pé no chão e sinceridade. Não há época melhor para este filme ser lançado, pois a sociedade está na efervescência dos embates éticos das IA. É uma porta aberta para que novas – e melhores – produções possam ser construídas explorando este lado tecnológico que mesmo oferecendo respostas positivas e qualidade no cuidado de dramas e doenças, existe uma linha tênue entre o que é certo e justo e o que é permitido. Um destaque para a atuação de Liu e Lopez que conseguem desenvolver uma conexão de medo, angústia e uma relação sincera entre mocinha e vilão. 

O roteiro ainda explora a nanotecnologia com implantes de chips e conexões neurais entre máquina e corpo humano. Atlas questiona seu superior General Boothe (Strong) e o oficial Banks (Brown) por usarem a tecnologia que arruinou os planos da mãe dela (Parrilla) e colocou Harlan como um monstro mais perigoso para toda a humanidade. O que eles chamam de sincronizar máquina e corpo é uma iniciativa nano tecnológica na qual a sincronia acoplada no cérebro permite que ambas inteligências – se é que podemos chamar humanos de inteligentes – se unem permitindo que suas forças possam ser unidas pelo mesmo propósito. 


Um último ato com menos propósito 

Infelizmente a conclusão de toda esta história não sai de forma grandiosa – não sabemos se era preciso – mas isto nos deixa uma certa decepção com toda a obra construída. A ficção-científica com a presença de IA reformula o gênero cinematográfico. Inaugura novas narrativas sci-fi explorando o que já é reconhecível por nós. É válido também colocar o filme numa plataforma de streaming. Nas telonas ele ainda não seria acolhido por abordar algo pouco explorado. Mas, reafirmamos: a obra chega no momento certo; ela abre portas para um novo que precisa ser explorado. Simu Liu também não ganha o tempo preciso para desenvolver seu papel. Um ótimo ator, um vilão de potencial, mas que não ganha espaço na tela para que seu personagem possa crescer. 

Por se tratar de Inteligência Artificial, o filme não é artificial, mas é pouco inteligente. Colocar a IA como promotora de um terrorismo esquivando os humanos de sua responsabilidade não foi uma decisão certa. Os humanos são inteligentes, medrosos, mas inteligentes. Uma boa ficção-científica precisa colocar no centro ambos os lados. O filme se perde quando tenta explicar demais o que não se explica e erra quando não explica o que precisa ser explicado. Mas, este é um grande salto para colocar IA e humanos no coração de uma narrativa social que alguém vai ter que assumir a coragem para nos contar.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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