A crítica social que o longa de Drew Hancock se propõe a desenvolver é super atual e bem intrigante: mostrar como que as relações de abuso, poder e manipulação podem ser gestadas num relacionamento conjugal. Colocar a mulher como um objeto para cumprir sua finalidade desiderativa e sexual é uma realidade que muitos de nós já sabemos e, talvez até assistimos. Ser cúmplices de tais atos é um gesto de desumanidade e de preconceito. Hancock, portanto, decide explorar tal ação e experimenta lançar a ideia dentro de um contexto sociotecnológico super desenvolvido, valendo-se, de certa forma, de IA. Desenvolver robôs, cujo sua função é simplesmente saciar os desejos carnais de outrem, desumaniza a criação e abre portas para uma discussão que ultrapassa as barreiras éticas e morais.
Protagonizado por um destemido Jack Quaid e por uma delicada e linda Sophie Thatcher, o casal decide passar um fim de semana romântico numa casa afastada da urbanização. O imóvel pertence ao criminoso Sergey [Rupert Friend] que coleciona, além de estelionato, outros crimes como tráfico de pessoas, contrabando de órgãos e alguns desvios de dinheiro. Ao lado de Kat [Megan Suri], Eli [Harvey Guillén] e de Patrick [Lukas Gage], Josh [Quaid] arquiteta um plano para dar fim à vida de Sergey usando seu robô sexual Iris [Thatcher]. O plano não sai como o esperado e todo o filme que Hancock escreve e dirige embarca numa jornada artificial – e isso não é um elogio – em que a inteligência robótica tenta sobreviver à ignorância do ser humano.
Ian Pearson ganhou os holofotes da Internet em 2018 quando afirmou que daqui meio século as pessoas iriam começar a se tornar imortais. Reconhecido como um futurologista, que, através de pesquisas, projeta ações para o futuro, Pearson afirma que as pessoas terão a possibilidade de reduzir, ou de reverter o envelhecimento das células. Outras duas possibilidades para este mesmo futuro também foram indicadas pelo pesquisador: consciência virtual e corpos androides. É neste segundo “futuro” que queremos desenvolver aqui. Escandalizando metade de uma nação – ou até menos – sua pesquisa aponta que em 2050, os humanos irão preferir ter relações sexuais com robôs do que com outros seres humanos. E é sobre esta possibilidade que o filme Acompanhante Perfeita tenta “brincar” com o nosso imaginário real.
No filme, Josh encomenda uma robô feminina, jovem, de pele perfeita e aparentemente muito bonita. Através dos comandos tecnológicos necessários, Josh estabelece uma conexão amorosa com a robô e começa, a partir de então, usá-la para os seus desejos pessoais e sexuais. A pauta que o filme levanta neste momento é o de usar, literalmente, um outro ser apenas como objeto manipulado, controlado e conduzido apenas para satisfazer o próprio desejo. É como ter um boneco e um controle remoto e pedir para que ele faça isso, e ele faz, faça aqui e ele faz. A pauta feminista que se equipara ao usar a feminilidade de uma mulher como objeto desiderativo não demorou muito para ser levantada e, habita aqui, um questionamento moral sobre, até quando vai o individualismo humano, a ponto de se desumanizar a tal ponto?
Como se isso não fosse o bastante, o filme ainda apresenta uma relação homoafetiva em que Eli também se relaciona com o seu robô, Patrick. Criado unicamente para o satisfazer sexualmente e realizar todos os seus desejos, Patrick ocupa a mesma posição de Iris. Ligado e programado para obedecer ao comando de voz de seu dono, Eli. Enfim, partindo desta ideia narrativa, podemos imaginar que o filme é uma ótima escolha para irmos até o cinema, ou sentarmos no sofá e aluga-lo. Infelizmente Hancock apresenta uma ideia grande demais para uma conclusão simplista e desonesta. Ele joga nossa expectativa lá no alto para depois derrubá-la o mais baixo que pode. Acompanhante Perfeita é um programinha bobo que aborda um tema série e real, mas que ainda não aprendeu como resolver a questão... igualmente os humanos de hoje em dia.
Por Dione Afonso | Jornalista