31 Jan
31Jan

Depois do fracasso, tanto de crítica, quanto de views, do trabalho de Joe Wright com a adaptação de A Mulher da Janela protagonizado pela impecável Amy Adams, a Netflix resolveu “dar a volta por cima” e lançar uma minissérie “de resposta” trazendo de volta a mesma narrativa feminina na qual uma mulher, estereotipada como louca e incapaz de transmitir credibilidade. A Vizinha da Mulher na Janela, por sua vez, uma minissérie produzida por Rachel Ramras, Hugh Davidson e Larry Dorf é protagonizada pela premiada Kristen Bell. A “releitura” de deboche ao produto anterior começa na mesma pegada que Adams, com uma narrativa fraca e que parece não evoluir. Contudo, ao encerrar o primeiro ato e introduzir o segundo, a série ganha a nossa atenção e nos faz conferir a história até o final. 

É significativo ressaltar que toda a narrativa é feminina por excelência. Percebe-se que as poucas cenas em que um homem aparece não estão ali para dar respaldo à mulher. Não. Elas se defendem por si só. Se são loucas, ou alcoólatras, ou dopadas de comprimidos, ou sensíveis demais com as realidades que as tocam, ou cheias de medo e de fobias, elas são mulheres que buscam certa redenção e credibilidade pelo o que são e o que decidem ser. Kristen Bell faz um excelente trabalho ao mostrar a sensibilidade feminina ao mesmo tempo que equilibra isso com sua fragilidade enquanto mulher e também sua importância enquanto pessoa. Um trabalho que também foi feito com maestria pela Amy Adams, contudo, o roteiro da adaptação da obra de A. J. Finn ficou na superfície e com medo de se aprofundar nas questões humanas. 


É mais que uma paródia, é uma narrativa sobre superação 

Não podemos encarar a obra de uma temporada (por enquanto) como uma simples paródia. Ela não está ali apenas para debochar do que foi feito anteriormente. De certa forma as duas conversam entre si e apresentam situações que merecem atenção e a nossa reflexão, bem como nossa empatia. Kristen Bell é uma mulher solteira que perdeu a sua filha aos seis anos de idade quando foi com o pai que é um psicanalista forense na Delegacia local. Ao estar atendendo um sociopata, por um deslize, o pai, Douglas, não percebe que o prisioneiro se aproxima de sua filha, e a ataca. Esse é o episódio que dá sustentação a toda a série e à personagem de Bell, a mãe Anna. 

Logo de início, percebemos a profundidade que a série precisa abraçar, afim de que a história que ela está a fim de contar seja uma narrativa corajosa e que nos surpreenda. Anna, então, depois de perder a filha, não consegue seguir sua vida em frente e permite que a loucura e o luto tomem conta de si. Com a ajuda de um terapeuta (que só aparece por telefone) e o consumo desenfreado de vinho (são taças e mais taças, cheias até a borda), Anna não tem mais o que fazer em sua vida e, mediante este quadro, ela se torna uma mulher louca, sem credibilidade que, mesmo quando presencia um assassinato na casa do vizinho, sua palavra é tida como uma loucura contada por uma mulher fora de si. 

A partir de então, Anna inicia um trabalho de investigação em busca da verdade e decidida a mostrar para todos que ela não está louca e que ela sabe que o que viu não foi invenção de sua cabeça. No meio disso, o roteiro impecável também consegue nos ludibriar trazendo cenas que nos fizeram questionar: é real ou eu sonhei? Será que eu também estou ficando louco?


Presença feminina que exalta a mulher e sua busca por redenção 

Não só Kristen Bell, mas as atrizes Mary Holland que interpreta Sloane (sua melhor amiga); Christina Anthony que faz a Detetive Lane; Shelley Henning é Lisa revelam um elenco de poder feminino e cada uma delas interpretam uma personagem frágil mas que fazem da fragilidade a melhor arma que possuem, não enquanto vítimas (na verdade, ninguém se vitimiza aqui), mas enquanto mulheres que provam ser melhores que qualquer outra pessoa. Os homens Tom Riley (Neil), Benjamin Levy Aguilar (Rex, o stripper) e Michael Ealy (Douglas, o ex-marido), são peças fundamentais enquanto estão em tela. Fora das cenas, não são relevantes e nem fazem falta. 

É importante ressaltar que cada uma dessas mulheres busca a sua redenção, seja no trabalho machista, seja na rua em que moram, seja dentro de suas próprias casas. A redenção de Anna estava em provar que ela não era louca e que precisava superar o luto sofrido que a vida a fez viver. Recuperar seu casamento e sua dignidade. As fobias, tanto a que a personagem de Amy Adams viveu (agorafobia) e a de Anna (pluviofobia), são traumas que ambas desenvolveram num evento difícil da vida de cada uma delas. Superar esse trauma estava previsto e foi preciso que ele acontecesse. A fobia de Anna, medo da chuva, a paralisava, fazia-a desmaiar e perdia todos os seus sentidos. E aí, a gente descobre que sua fobia estava ligada à morte de sua filha, quando a viu pela última vez, num dia chuvoso, indo pro trabalho do papai. 

Portanto, não se trata de uma loucura, trata-se de um trauma não superado. Observar a vida passar pela janela de suas casas, talvez tenha se tornado uma vida tranquila, sem medos, sem lutos, sem preocupações. É construir um mundo seguro, dentro da própria zona de conforto, onde tudo é paz e tranquilidade. Uma bolha pessoal que me blinda contra todo o resto, até mesmo contra o meu trabalho que eu amava fazer. Anna, antes do triste ocorrido, era uma artista, uma pintora talentosa que exibia seus quadros em galerias de sucesso. Mas a bolha que ela construiu era segura para ela, e a mantinha em paz. 


Entre uma taça de vinho e outra 

Portanto, a série A Vizinha da Mulher na Janela insere uma narrativa cheia de fatos inesperados. Nada ali foi premeditado, fomos pegos de surpresa do início ao fim. Um humor que é raro de se ver bem construído. Um humor que não te faz rir pelas coisas certas, mas te faz rir por algo patético e irrelevante. Talvez há uma tentativa de continuar seguindo com a trama quando o capítulo final dá uma deixa de seguimento, colocando uma Anna recuperada, sem fobias e novamente mãe, num avião indo visitar a amiga. De repente, ela vê (ou acha que vê) um novo assassinato. Talvez? Só que agora é dentro de um avião. Será possível? 

É uma minissérie leve, sem compromissos em entregar um produto denso e de profundas reflexões. Kristen Bell entrega uma personagem muito bem ensaiada e profunda. É uma série feminina. Que fala sobre o feminino e toca em assuntos de mulher. Uma série que coloca mulher ao lado de mulher; mulher contra mulher; e mulher e homem num mesmo nível de compreensão, só que, não, necessariamente. 

Por fim, há também uma narrativa que brinca com os aspectos de nossa mente. O suspense construído utilizou-se das peças que a própria mente da gente costuma pregar na gente, enganando-nos. Trazer o aspecto do alcoolismo como um elemento que suscita perigo e perda de sentido foi positivo, ao mesmo tempo que levanta a discussão sobre o vício. A repetição do saca-rolha, da taça transbordando, da janela do vizinho, volta para o saca-rolha, taça cheia, janela, saca-rolha, taça, janela... Uma rotina que nos fez rir pelo ridículo que ela trouxe, mas também nos conquistou por sua eficácia narrativa.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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