28 Dec
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A série de livros The Wheel Time do escritor norteamericano Robert Jordan, pseudônimo de James Oliver Rigney Jr. nos entrega uma face da ficção que traz muito mais que representatividade: protagonismo feminino. Não se trata apenas de uma exaltação à figura da mulher e nem de trazer mulheres que salvam a história antes protagonizada por homens. Não. Em, A Roda do Tempo, nada “roda” sem o poder e a coordenação feminina. Também não é uma história cheia de delicadezas, flores e o um mundo cor de rosa. Não. Há mulheres chatas, vilãs, ambiciosas, caridosas, empáticas e até as que desenvolvem sororidade com as que menos desejariam. 

A Amazon Prime Video trouxe a primeira temporada adaptando o início de uma saga que contém 14 volumes. Lançados entre 1990 e 2013, os livros estão no ranking entre as dez histórias de ficção e fantasia mais lidos, atualmente. No que diz à grandiosidade da saga, o universo de Jordan compara-se a outros já criados como os de J. R. R. Tolkien, C. S. Lewis, J. K. Rowling e George R. R. Martin. Rico em detalhes, tanto de personagens, como dos ambientes criados, Jordan vai se distanciando desses outros autores e se enveredando em sua própria jornada. 

A “Roda do Tempo” é algo que se conecta com um Divindade Criadora. E, como ouvimos muito no decorrer da primeira temporada, tudo o que a impede de girar é preciso tirar do caminho. A história segue a filosofia da temporalidade cíclico, ou seja, a roda gira. Quem esteve por cima, um dia, pode cair. Portanto, seres do mal podem querer quebrar a roda e impedi-la de girar, o que significa, impedir que civilizações e novas gerações nasçam e deem continuidade da criação humana e social. 


Presença feminina e seu poder 

A jornada do herói na produção adaptada por Rafe Judkins e produzida por Mike Weber e Marigo Kehoe, traz o protagonismo de Rosamund Pike no papel da magia principal capaz de proteger o Dragão Renascido que, possivelmente, veio em um dos quatro jovens: Egwene al'Vere (Madeleine Madden), Rand al'Thor (Josha Stradowski), Perrin Ayabara (Marcus Rutherford) e Mat Cauthon (Barney Harris). Enquanto não se sabe qual dos quatro renasceu com o Grande Poder, a jornada desses jovens e seus protetores e a das forças do mal os perseguindo estará longe de chegar ao fim. Já percebemos que o poder do mal, das trevas é grandioso e muito provocante. O jovem Mat se sucumbiu deixando-se levar e, aparentemente, abraçou esse poder. A Aes Sedai Moiraine, personagem de Pike, realiza uma concentração poderosa de tirar de Mat o mal que o consome. 

A presença das mulheres na série não é nem pequena e nem secundária. Sem o bom protagonismo delas e sem uma presença forte e que nos convença, a produção não deslancha. Conhecemos o que elas chamam de Poder Único, uma magia que só as mulheres podem convocar. Quando um homem começa a manipular o Poder Único ele viola a sacralidade feminina e começa a enlouquecer. Daí surge a lenda do antigo Dragão que as antigas Aes Sedai derrotaram. Álvaro Morte nos entregou uma personagem poderosa de um homem que tentou violar essa regra. 


Falta de desenvolvimento  

A narrativa atinge, na metade da temporada, uma calmaria que muito nos incomoda. Os dois planos da trama – o da jornada do herói e o do desenvolvimento pessoal e íntimo de cada personagem – não se entrelaçam e perdem força e vitalidade. Rosamund Pike é uma atriz grandiosa, contudo, seu potencial é desperdiçado num jogo sem propósito e em cenas mal coreografadas. Nesse ponto da narrativa as situações se esfriam abandonando uma oportunidade de dar um passo grandioso para que a série revele, de fato, a que veio. Moiraine Damodred é uma mulher grandiosa que está tendo seu talento e grandeza podados pela narrativa. 

Em pequenos insights, pode-se dizer assim, ainda é possível ver o brilhantismo da história. Um dos pequenos momentos é quando Nynaeve al'Meara (Zoe Robins) “desperta” de seu poder capaz de trazer o amigo Lan Mandragoran (Daniel Henney) de volta à vida. Aliás, Henney também precisa de ter oportunidades seguras para mostrar a que veio. Um poderoso protetor da Aes Sedai, bom de luta e muito sensitivo, ainda não teve uma brecha para mostrar tudo o que sabe fazer. 

Há quem diga que a primeira temporada é bastante introdutória em qualquer saga. Contudo, aqui, A Roda do Tempo precisa, em sua segunda temporada, abandonar o clima morno e, de fato, trazer mais vivacidade às suas cenas. 


Rand al’Thor, o narrador, os olhos do mundo 

Revelando-se, por uma magia futurista, ser o Dragão Adormecido, Rand abandona seus amigos e o amor de sua vida e parte, às escondidas, com Moiraine, rumo ao Tenebroso. O grande mal. A chegada dos personagens à Cidade Branca e o reencontro de quem assume, de fato, o papel (ou os papéis) de protagonismo da história conseguiu engatar a primeira marcha e nos reconectar com a história. Calma. Não afirmamos que precisou de um homem assumir o papel central para que a história seguisse. Foi preciso recolocar as coisas no lugar, o erro, foi demorar pra que isso fosse feito. 

É muito satisfatório aprendermos duas lições com a história: 1) quem usa da força, da violência, do machado e da espada para vencer e abrir caminhos, esse não é feliz e nem digno de vitória. Vence por arrogância e prepotência. Dar os braços e fazer um muro humano como sinal de força é um gesto de grande coragem; 2) o poder da força feminina e a garra das mulheres tendo que lidar com uma sociedade no qual não cabe o machismo e nem a brutalidade do homem é uma narrativa muito necessária. Ainda há o abuso do poder autoritário, pois, até mesmo as mulheres detentoras de tanto poder podem se corromper e fazer súditos ajoelhados a vossos pés. 

Ou seja, ninguém está livre da corrupção do mal. Qualquer ser humano, homem ou mulher, pode se corromper e se tornar ambicioso e louco em busca de poder. Mas a mensagem das mulheres na série é atual e muito urgente: elas são fortes, são guerreiras, são guardiãs da humanidade e o futuro dela também. Assistir uma produção na qual elas, as mulheres, são o centro de tudo isso é algo que sinaliza esperança para os tempos de hoje.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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