Anna Kendrick, 39, atriz e cantora norte-americana decide se lançar por trás das câmeras para contar a história de um serial killer que colecionou 8 assassinatos e mais de 130 vítimas. Ambientado nos anos 1970, Kendrick que é uma excelente artista, em seu primeiro trabalho como diretora consegue fazer escolhas relevantes e que, de certa forma, começam a delinear seu estilo cinematográfico para o futuro. Atualmente o true crime está em alta no audiovisual. Infelizmente ele ganha ibope pelos motivos menos humanos: dar foco, voz e lugar aos criminosos, esquecendo-se, na maioria das vezes, das vítimas, das pessoas que perderam suas vidas por conta de uma crueldade desumana e que muitas ainda sofrem por falta de investigação policial. A Garota da Vez traz a mulher para o centro da narrativa; para o centro do título da obra; para o centro da discussão.
O filme segue a aspirante a atriz Cheryl Bradshaw (Kendrick) que, para conseguir fama e visibilidade na disputada Hollywood decide partipar de um programa de namoro chamado “The Dating Game”. O que ela não imaginava era que um dos pretendentes era o serial killer Rodney Alcala (Daniel Zovatto) que, surpreendentemente foi o escolhido por Cheryl para viver um possível date romântico. Cheryl é uma jovem mulher inteligente, amante das artes e estudiosa. No programa, ela decide seguir seu instinto e fugir do roteiro que o apresentador lhe oferece, o que já nos cativa a não fugir da trama. Por mais que temos, no decorrer da trama, a presença de coadjuvantes, toda a história se foca apenas na dupla Cheryl e Rodney e conseguimos acompanhar a história sem quebra de narrativa, sem paradas para explicações e sem monólogos sem sentido.
É desconcertante quando a gente se dispõe a assistir histórias profundamente femininas, mas que são conduzidas por homens. Por mais que seja um cineasta de respeito, consagrado, com trabalhos impecáveis, o olhar de uma mulher por trás das câmeras é relevante para que a história possa ganhar outra perspectiva. Kendrick nos dá isso. A diretora nos coloca na pele das vítimas fazendo com que nós nos sintamos não enojados pelo torturador, mas, doloridos pela experiência que cada uma experimenta. Quando vemos, por exemplo, Charlie (Kathryn Gallagher), uma das vítimas que consegue sobreviver e é quem consegue pôr um ponto final nessa trama, vemos o quanto uma mulher que sofre abusos, violência, são enganadas, precisam ser frias e forte para sobreviver na presença de um agressor.
Gallagher nos surpreende ao se aproximar de Rodney, fingindo compreender a dor dele, afim de conseguir uma brecha para escapar. Em todas as vezes que um homem se aproximou de Cheryl, não foi para compreender a dor dela, não foi para ouvir sobre suas lutas cotidianas, não foi para escutar sobre seus dramas e traumas... sempre foi para tirar dela algum proveito. Como o vizinho de seu prédio, Terry (Pete Homes), por exemplo, que tinha certa proximidade utilitarista e oportunista. Que quando “conseguiu o que queria”, aquela mulher era apenas mais uma de sua lista.
Por fim A Garota da Vez é “menos violento”, “menos apelativo”, mas, mais forte e mais humano. Assistimos a história sob a perspectiva de uma mulher que filma, e outras mulheres que assistem. Kendrick tem futuro na direção. Só da sua escolha em resolver mostrar para o mundo uma história que é bastante difícil de contar, mas que assumiu fazendo escolhas relevantes, já merece o mérito pelo trabalho. O filme não é só sobre uma garota que queria ser vista e reconhecida por seu talento, mas é sobre diversas mulheres que são invisíveis socialmente porque não são enxergadas por seus talentos e inteligência, mas como meros objetos de conquista e consumo a bel prazer.
Por Dione Afonso | Jornalista