18 Nov
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Alexandre Moratto (Sócrates, 2018), é um cineasta brasileiro que mantém em suas lentes o protagonismo de um sistema socioeconômico, político e religioso como narrativa central para explorar as condições humanossociais do cotidiano. Aquele suspense, thriller que traça os inocentes sonhos adolescentes de promissores jovens que buscam “ser alguém na vida” quando crescerem é um grande diferencial que o diretor capta em seus longas. Em 7 Prisioneiros da Netflix, Moratto subverte essa lógica: acompanhando jovens sonhadores que abandonam a vida pacata e sem promessas de um futuro melhor com estudos, faculdade e uma profissão de prestígio, o roteiro os insere na Grande São Paulo, motivados por uma promessa de alguém que os ludibria um emprego de sucesso, muito dinheiro e oportunidades de futuro feliz e próspero. 

Inicialmente muito previsível, ao concluir o primeiro ato, Moratto consegue surpreender quando a narrativa assume uma nova ótica de contar a história. Os jovens Mateus (Christian Malheiros), Ezequiel (Vitor Julian), Isaque (Lucas Oranmian) e Samuel (Bruno Rocha) saem do interior do estado para tentar a vida na cidade grande e ajudar financeiramente suas famílias. O clássico início performativo é emocionante ao apresentar os relatos mais inocentes e belos de cada jovem. O que sonha se casar, ter filhos, estudar, cursar engenharia, comprar uma casa para a mãe e as irmãs... Malheiros, já desde a primeira cena, protagoniza esse passado de seus amigos jovens, no qual, conhecem um ao outro, dando a perceber que são amigos desde a infância. 

No entanto, ao desenrolar do segundo e terceiro atos, o thriller de suspense, medo e perseguição altera a visão de Moratto o que faz tirar a câmera desse foco e lança-la sobre uma nova perspectiva: Luca (Rodrigo Santoro), o que assume o lugar de chefe da organização criminosa de trabalho forçado, exploração, abuso, tráfico humano, abuso de menor, e sua aproximação a Mateus, que, aos poucos, tenta conquistar a confiança do chefe desse lixão afim de resgatar seus amigos desse sistema desumano. 


A subversão do sistema 

Numa história que é produzida para ser contada sob as lentes de uma câmera, o foco e as luzes que ela reflete são determinantes para que uma certa narrativa seja transmitida ao público. Ou seja, muita coisa que não recebe esse foco e nem é iluminado pelas cores lançadas, não é publicado na telona diante de quem assiste. Quando Moratto tira de frente das lentes da câmera, o desespero e as tentativas de fuga dos jovens e passa a dar luz à relação entre Luca e Mateus, há aí um estudo de caso focado na postura sociorrelacional desses dois personagens: de um lado, o “cafetão”, o magnata que chefia e coordena o sistema exploratório que vai desde o lixão sustentado por trabalho escravo até as engrenagens políticas que envolvem a corrupção capitalista e as falsas promessas partidárias sustentadas pelo sistema sujo dos esgotos sociais nas grandes cidades. 

Rodrigo Santoro torna-se, na verdade, mais um peão comandado por quem tem dinheiro, fama e renome de quem faz o bem sem olhar a quem. Quando assistimos a compra de duas moças que migraram para o Brasil em busca de novas oportunidades de vida por 10 mil reais cada uma, o assombro bate em nós como um soco no estômago. Venezuelanos, colombianos, pessoas de outros países latino-americanos que são aprisionados em containers só aguardando serem vendidos para mão de obra gratuita e desumana. Luca, ao perceber o potencial de Mateus para gerenciar o crime organizado, apresenta ao jovem todo esse sistema que, segundo ele, “mantém a cidade de pé”. A crítica levantada nos apresenta uma realidade que ainda insiste em prevalecer nos nossos dias. Um sistema gerido e sustentado por policiais corruptos, políticos desonestos e milionários ambiciosos e desumanos. 


Um sistema que não parece ter um final 

Quando, vai se aproximando de mais da metade do filme, a nossa ficha começa a cair, ao perceber que o final que Moratto pretende nos apresentar não é tão previsível quanto achávamos que fosse nas primeiras cenas de o 7 Prisioneiros. A começar pelo próprio título: os quatro jovens do interior de São Paulo que se unem a três colombianos, refugiados que caem nas graças da organização de Luca e, escolhidos por Mateus, compõe a cena do lixão no trabalho forçado. 

Mostrar que esse sistema não tem salvação e que quem cai nele, nele findará os dias de sua vida é uma visão sem perspectivas de vida melhor e humana. Contudo, é uma leitura essencial e que, infelizmente, pode se fazer real na vida de muitos jovens, rapazes e moças que tiveram seus sonhos roubados pelo sistema. Se não é um lixão, que cuida de “lixos não-naturais”, até porque, que tipo de lixo recebe toneladas de fios de cobre “jogados fora”? Vemos que o sistema é mais abrangente e que pode abarcar outros setores da sociedade que funcionam apenas como portas iluminadas nos centros das cidades, sendo fachadas para um sistema corrupto nos fundos. Pode ser também um porão onde mulheres são feitas de escravas costurando 24 horas por dia, boates e casas de show que oferecem prazer pela prostituição... 

Enfim, 7 Prisioneiros que, torna-se, uma semana depois, o filme de língua não-inglesa mais assistido no streaming, subverte a lógica de um sistema corrupto que, ao invés de ser desmantelado, ele permanece de pé, mantendo de joelhos a dignidade humana de homens e mulheres que, ajoelhados, servem ao seu senhor, com correntes presas no pescoço, seminus, alimentando a ambição e a cobiça de magnatas para “manter a cidade de pé”.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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