Se na obra da literatura clássica de 1900, de L. Frank Baum, a história é narrada a partir da pequena órfã Dorothy Gale que foi arrastada para o desconhecido mundo de Oz, através do caminho de ladrilhos dourados, agora, assistimos à história sob nova perspectiva: da amizade entre Glinda e Elphaba. O Mágico de Oz, filme de 1939 dirigido por Victor Fleming, convida-nos a entrar em Oz junto de Dorothy e, com ela vamos nos aventurando pelo caminho dourado e conhecendo os personagens clássicos: O Leão Covarde, que busca ter coragem; O Homem de Lata sem coração; e o Espantalho que sonha em ter um cérebro. A protagonista, interpretada por Judy Garland procura o mágico para pedir a ele ajuda para voltar para casa. E assim, embarcamos na sua jornada.
Agora, 124 anos depois do livro e 85 anos depois do filme de Fleming, a história nos é contada mais uma vez. Entramos no Mundo de Oz, conhecemos a Universidade de Shiz e a Cidade das Esmeraldas por um caminho que ainda não conheceu a pequena Dorothy. Desta vez, quem vai nos contar a história é Glinda, interpretada por Ariana Grande e Elphaba, por Cynthia Erivo. Grande e Erivo protagonizam um musical que narra a história de uma amizade que encontrará um ponto de encruzilhada: seguir a amiga em sua luta por sobrevivência, aceitação, justiça e inclusão ou dar um passo para trás e ser fiel aos seus ensinamentos e amor pelo sucesso e reconhecimento. Este é o primeiro ato do filme Wicked dirigido por Jon M. Chu.
O Mágico de Oz, de Baum, é para os Estados Unidos o que Alice no País das Maravilhas, de Carroll, é para a Inglaterra. Dois expoentes da literatura que marcou uma geração e que permanece de pai para filho, transmitindo saber, magia e conhecimento. A adaptação de Chu, em Wicked, cumpre com a tarefa de transmitir para uma nova geração de leitores e expectadores esta mesma magia e saber. Na obra que temos diante de nós neste século vemos o quanto uma história bem contada, narrada e melhor ainda cantada e declamada pode influenciar e nos moldar em nossos saberes. Grande e Erivo em tela são duas magníficas artistas que souberam encharcar-se de suas personagens – a primeira, Elphaba, torna-se a Bruxá Má do Oeste enquanto a segunda, Glinda, é a Bruxa Boa do Sul – e relatar algo que transcende de uma discussão entre “o bem e o mal”.
É belo o que o roteiro de Dana Fox e Gregory Maguire faz ao conseguir extrair da literatura e apoiando-se no sucesso do teatro da Brodway, quando decide dar protagonismo a Glinda e Elphaba. As mais de duas horas e meia deste primeiro ato consolidam uma grande nota introdutória, sobretudo para quem nunca teve acesso à história de Oz. É um ótimo começo. Primeiro, ancoramos Ariana Grande performando uma princesa mimada, rica e cheia dos seus lacaios. Representando uma pequena classe da sociedade que sempre teve tudo, inclusive família. Depois, carimbamos Cynthia Erivo dando vida – e medo – a Elphaba. Uma bebê rejeitada pela família e que foi criada pela babá urso. Depois de adulta ajuda no cuidado da irmã, que nasceu sem o movimento das pernas e, como forma de “punição”, precisa estar sempre ao lado dela.
O que assistimos nesta primeira parte do filme é uma construção amigável e muito carinhosa de duas jovens que precisam lidar com suas diferenças para que uma entenda e respeite o universo da outra. Glinda e Elphaba, portanto, dão cor e vida a uma história que vai da aceitação, onde o mundo cor-de-rosa precisa aceitar os tons verdes e negros; passa pela superação na diferença de jeitos, costumes e sonhos até chegar à consolidação de uma amizade que teria tudo para se tornar eterna, se não fosse os anseios e desejos de cada uma falar mais alto que a união das duas. Elphaba é então, forjada como a Bruxa Má, não por mérito próprio, mas por ter sido vítima da crueldade do Mágico de Oz (Jeff Goldblum) e de sua aliada (Michelle Yeoh) que conseguem transferir o título de vilã para a jovem de cor verde.
A Terra de Oz que Baum criou está descrita numa literatura de 13 volumes. O primeiro volume é o clássico que todos nós conhecemos onde está Dorothy Gale e sua descoberta de Oz. Inclusive, onde conhecemos a Bruxa Má do Oeste e a Bruxa Boa do Sul. Wicked meio que inverte a narrativa quando tira Dorothy do primeiro plano e coloca a história de origem das bruxas. Mas não altera a ordem cronológica dos livros – pelo menos não nesta primeira parte cinematográfica. Antes de Dorothy cair na Terra de Oz, o filme se preocupa em nos apresentar este universo mágico primeiro e para nos contar sobre como que os caminhos são de ladrilhos dourados, como que se estabelece a Cidade das Esmeraldas, a Escola de Shiz e tantas outras partes deste universo. Neste caso, portanto, é Glinda e Elphaba quem nos revela tudo isso.
De acordo com a cena introdutória de Wicked, parte Um, Dorothy poderá ser a protagonista da segunda parte que chegará aos cinemas em 2025. Temos as informações de que Chu filmou os dois filmes ao mesmo tempo, portanto, esta história já foi toda costurada. Aquela cena clássica de um tornado atingir o Kansas, nos Estados Unidos e arrastar uma jovem para um universo diferente e mágico poderá, quem sabe, ser a cena inaugural de Wicked, parte Dois. Dorothy é uma personagem essencial para que esta história dê continuidade, pois será através dela que o embate final entre bem e mal e a resolução da amizade/rivalidade entre Elphaba e Glinda encontrem o seu destino. Enquanto isso, rever a história diretamente dos originais de Baum pode ser uma boa pedida. Boa leitura!
Por Dione Afonso | Jornalista