07 Jul
07Jul

Quem dirige o novo capítulo dessa história é Michael Sarnoski. Depois que John Krasinsk criou e dirigiu os dois primeiros longas da franquia, este novo passo reconstrói algo que é muito maior que uma simples ficção. Aliás, classificar Um Lugar Silencioso como obra ficcional é reduzi-lo a algo muito maior que ele está disposto a construir. Com uma atmosfera convidada a se calar por conta de um mal inesperado, a experiência que recebemos é de um roteiro magnífico, sem falas, mas tomado de muitos sentimentos e de profundos afetos e dores. Krasinsk não se afasta da produção e encara a execução deste trabalho com a mesma seriedade dos filmes anteriores e o fato deste spin-off voltar para o começo faz Dia Um necessário e atual. 

A vencedora do oscar Lupita Nyong’o interpreta Sam, uma jovem mulher que lida com um câncer terminal e uma rotina traumática e sem perspectiva de futuro. Vê-la numa reunião terapêutica com toda o jeito sarcástico da personagem já é uma introdução que não nos afastará do resto do filme. Ela se torna a narradora desta história sem narrá-la – seria isto, possível? – mas, é a sensação que temos. Ao lado de Sam aparece o jovem universitário e recém-advogado Eric, personagem de Joseph Quinn. Eric precisa lidar com suas crises de pânico e o medo de morrer. Sam e Eric desconstroem uma relação de cuidado e proximidade que conseguem nos transmitir um clima com um pouco de humor, mesmo nessa atmosfera em que tudo nos leva a dor e à morte. 


Ela só queria um pedaço de pizza 

É emocionante ver, através dos olhos de Sam como que a vida é prazerosa e capaz de nos escapar pelos dedos. A sua saga por um último pedaço de pizza antes de morrer nos encanta. Mais uma vez, é preciso enaltecer a inteligência deste roteiro. Krasinsk e Sarnoski não perdem a essência dos filmes anteriores e acrescentem neste aqui algo muito mais valiosos ainda do que ter assistido a Emily Blunt dando à luz no primeiro filme: mais que permitir que uma vida nasça, é preciso ter a coragem de permitir que ela termine. O que Sam nos permite conhecer é este término da vida que não precisa acabar conosco, mas que é preciso que nós tenhamos a coragem de pôr o ponto final, quando se é preciso. 

Ao mesmo tempo que o roteiro mantém a essência dos filmes anteriores, nada é igual. Tudo muda aqui: saímos do interior para o centro de uma grande cidade, como é Nova York; saímos de um núcleo familiar para a relação de dois estranhos; o núcleo dramático também muda e os interesses pela sobrevivência também se desencontram. Mas é sempre a vida e o silêncio; o cuidado e a presteza; a companhia e o medo que andam sempre presentes numa sociedade que nos induz ao barulho, ao frenesi das coisas e situações e ao descuido com o outro. A cena em que Sam se encontra com duas crianças “protegidas” pelo barulho da água num chafariz, é mais que um east-egg do primeiro filme: indica que a inocência de uma criança também é capaz de descobrir o que a salva do perigo. 


Construindo um novo mundo 

Quando a jornada da Sam se altera depois de conhecer Eric, a personagem não se desconecta de sua vida e de seu propósito: manter a objetividade de seu desejo é uma decisão fundamental para manter a relação entre os dois o mais utilitarista possível. Não vemos uma amizade forte entre os dois. Não vemos nenhuma decisão apelativa dos dois se relacionarem com mais intimidade, mas vemos respeito. Respeito e cuidado, parceria e humanidade é o que conecta Sam e Eric e o que conecta o público com a narrativa. Salvar a vida de Eric parece ser um desafio e um propósito. Sam reconhece que sua jornada termina ali, sobretudo depois que aquele pedaço de pizza lhe foi proporcionado. No meio do segundo ato, o público já percebe a decisão de Sam e começa a se emocionar com a perfeita atuação de Nyong’o. 

Quinn se aproveita da sagacidade da atriz e sua parceira de cena e se conecta a ela nos entregando sensações cinematográficas incríveis. Não se trata apenas em apresentar um mundo apocalíptico que fica muito em evidencia no conjunto das três obras, é mais do que isso: toda a franquia de Krasinsk nos questiona “qual será o nosso fim? O que irá nos destruir? Como o mundo e a humanidade irão acabar?”. São perguntas que estão escondidas, mas ao mesmo tempo, muito evidentes na construção de toda esta história. O fato de não se explicar como que tal invasão alienígena se deu – e esperamos nunca termos esta resposta – torna o filme mais seguro e certeiro no que se propõe a narrar. Nem tudo precisa ser explicado e o que se explica demais, sente-se de menos. 

Queremos encerrar esta matéria, ou artigo, ou crítica, ou seja lá de como você vai chamar, enaltecendo o cinema de John Krasinsk mais uma vez! Tudo – até aqui – que ele se propôs construir e nos apresentar tem a nossa atenção. É cinema bom, bem feito, sério e com novidade. Novidade não no sentido em ser algo nunca feito antes, mas em fazer algo que tantos já fazem há tanto tempo, mas de um jeito novo. Por um novo olhar Um Lugar Silencioso: Dia Um nos provoca e nos faz pensar sobre a qualidade da vida que construímos e as importâncias que damos a cada esfera daquilo que nos forma como pessoa. É cinema de qualidade e história real.




Por Dione Afonso  |  Jornalista


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