Mais uma cinebiografia está diante de nós! Desta vez, foi a personalidade do cantor e compositor Bob Dylan que ganhou as telonas afim de transmitir ao mundo a sua jornada de vida. No auge dos seus 83 anos de vida, somando mais de 60 anos de carreira, Bob Dylan tornou-se um ícone da música popular internacional. Há quem o chame de o Caetano Veloso dos norte-americanos. Tal título se dá ao fato do artista ser o primeiro na história a fazer sucesso com suas letras poético-políticas, que denunciava os atos governamentais e repudiava a discriminação. No Brasil, Caetano Veloso tornou-se uma importante voz da Música Popular Brasileira durante o período da Ditadura que também usava suas músicas para denunciar os maus-tratos e lançava palavras de esperança para o povo que resistia com suas lutas.
Dirigido por James Mangold, Um Completo Desconhecido faz um recorte preciso na vida do cantor Bob Dylan. O jovem Timothée Chalamet dá vida a um rapaz sonhador, de cabelos bagunçados e fã da música popular. O filme dá vasão a uma atuação mais enigmática, descontraída e emotiva. A maioria das cenas priorizam a intimidade, e os sonhos pessoais que vão moldando a personalidade tímida e retraída de Bob Dylan. Chalamet nos entrega uma atuação muito bem montada, sobretudo quando o ator decide colocar em seu trabalho muito mais da emotividade musical do que de sua encenação teatral. O elenco ainda traz Monica Barbaro; Edward Norton e Elle Fanning. Vale ressaltar que o longa de Mangold foi indicado em oito Categorias no Oscar de 2025. Um Completo Desconhecido saiu da cerimônia de premiação sem levar nenhuma estatueta.
O roteiro que Mangold assina ao lado de Jay Cocks e Elijah Wald decide se concentrar numa América marcada pelos clubes musicais e os festivais grandiosos em que artistas mostravam seus talentos. Dylan começa a ganhar destaque pelo uso de sua gaita e da guitarra, caracterizando-o como um artista mais inclinado ao rock do que ao movimento folk. Há uma revolução cultural muito impactante no filme também que marca a transformação social e a evolução dos sonhos juvenis. A América sempre tentou impregnar o restante do mundo aquele falsete do “sonho americano”, contudo, na direção de Mangold, este sonho é mais mais desbotado e frio. As ruas de Nova York seguem com a tonalidade cinzenta, com poucas cores e muitos acessórios pendurados. Cada sequência musical funciona como uma dobradiça em que nos ajuda a passar “para o outro lado da porta”, ou seja, para outra cena, ou outro período significativo na vida de Bob Dylan.
Norton interpreta Pete Seeger, um músico da década de 1940 que atuou como uma espécie de QI na vida de Dylan. Seeger é interpretado por Norton que confere ao personagem uma alegria que contrasta com a melancolia de Chalamet. Pete Seeger é famoso por emplacar singles nas paradas musicais da Billboard, posto que mais tarde Bob Dylan também ocupou. Duas décadas mais tarde Seeger conhece o jovem Dylan que chega a Nova York apenas com uma mochila e seu violão. Na mochila, um caderninho surrado em que ele escrevia suas canções sem maiores pretensões. Seeger vê mais do que um futuro cantor ali, ele acolhe em sua casa a voz que mudou radicalmente o futuro da música americana. É possível notar que há algo de grande, de revolucionário na narrativa que Mangold pretende nos contar, contudo, é perceptível também que os eventos seguem de forma truncados tornando-o maçante e sem ritmo.
Os ambientes e centros urbanos das décadas de 1960-70 são caracterizados, sobretudo, pelo clímax hostil das lutas, dos direitos civis, das crises sociais e de identidade... Eclodia nesta época uma preocupante guerra no Vietnã, a mentalidade política das gerações mais jovens deste período carecia de algo mais humanista e democrático. Bob Dylan começa a cantar para este público. Um jovem cantando, inspirando e “catequizando” outros jovens da mesma idade a lutar por seus lugares na cidade. Cantando e ensinando-os a cantar a própria liberdade, seus sonhos e suas motivações para o amanhã. Utopia e individualismo; tradição e progresso; trabalho e sonhos... toda a dualidade que marca as lutas destas décadas novaiorquinas são muito bem trabalhadas e exploradas numa história marcada pela música e pela história.
Um grande acerto de Mangold nesta cinebiografia é que o cineasta coloca o ator para cantar de verdade. Chalamet emplaca mais um sucesso na sua carreira, rendendo-lhe, inclusive indicações ao Globo de Ouro e ao Oscar. A versatilidade de um jovem ator no auge dos seus 29 anos e que carrega em sua filmografia trabalhos com Mangold, Denis Villeneuve, Paul King e Luca Guadagnino. Indicado ao Oscar, BAFTA, Globo de Ouro, seu talento o torna um dos jovens mais premiados e mais versáteis na Hollywood atual. Em Um Completo Desconhecido quem também solta a voz é Monica Barbaro que interpreta a cantora Joan Baez. Baez seguiu carreira musical no estilo folk e, diversas vezes cantou e interpretou as canções de Bob Dylan. Barbaro é impecável em sua atuação e também entrega emotividade, carisma, distribui sorrisos e faz um par de atuação perfeito ao lado de Chalamet.
É lindo o filme nos mostrar como que Bob Dylan se inspirou a compor e a cantar. O ator Scoot McNairy interpretou o musicista Woody Guthrie, já no fim de sua vida, mas que ainda conseguiu conhecer Dylan no leito do hospital. Este encontro é essencial para que a obra de Mangold funcione e dê credibilidade e coração a todo o filme. A narrativa, portanto, segue a partir desta cena. É perfeito quando percebemos que é do encontro num hospital que nasce uma das maiores vozes masculinas que o mundo já conheceu. Na edição do Oscar de 2025, Um Completo Desconhecido foi indicado em 8 Categorias, incluindo de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Figurino e Melhor Ator para Chalamet. O longa saiu sem nenhuma vitória.
Por Dione Afonso | Jornalista