23 Mar
23Mar

Cineasta grego Yorgos Lanthimos roubou a cena na recente edição do Oscar (2024) com a adaptação de Pobres Criaturas. Vencedor em 4 Categorias, incluindo a de Melhor Atriz pela atuação de Emma Stone, interpretando a protagonista Bella Baxter, a obra de Lanthimos recebeu 11 indicações, inclusive a de Melhor Filme e Melhor Direção. Reconhecido por sua loucura e suas ideias estranhas diante das telas, o cineasta ainda continua conquistando público com suas ideias originárias. Em Pobres Criaturas vemos uma versão bizarra indireta de Frankstein. Lanthimos adapta o livro de Alasdair Gray que referencia a escritora Mary Shelley (1797-1851) de 1818. Shelley já foi adaptada inúmeras vezes no cinema e na TV, e, ao assistir a versão de Lanthimos, percebe-se que o cineasta ainda não se satisfez com o que já foi construído até aqui. 

Recheado de referências do movimento impressionista, o filme nos remete à Europa vitoriana do século XVIII (ou XIX), colocando o ser humano – com suas bizarrices e loucuras – no centro de uma jornada de busca e de autoexpressão. Stone não é a única que rouba a nossa atenção! Willem Dafoe (Dr. Godwin Baxter), Mark Ruffalo (Duncan Wedderburn) e Ramy Youssef (Max McCandles) formam um trio fantástico e o segredo do filme está em compreender que a postura animalesca de Bella; o corpo cheio de cortes e aparatos maquinários de Dr. Godwin; a sede egoísta de Duncan e a inocência e curiosidade de Max, formam, na verdade, um emaranhado humano de sonhos, desejos e busca de sentido. É difícil entender em que o público se afeiçoou com Pobres Criaturas, mas, precisamos afirmas que cores, boas atuações, direção e personagens confusos são muito bem encaixados nesta trama. 


Sede de busca e de novidade 

O que o ser humano busca? Em que ele sonha em se superar? Há aspiração? Há algum anseio pela sociedade ou pelo outro? Alteridade? Sexo? Amor? Amizade? Criatividade?... você, querido leitor, pode continuar aumentando esta lista de questões que revelam (ou não) tudo e muito mais do que o indivíduo pode conquistar em sua própria jornada. Voltando ao filme, cada personagem empreende a sua jornada, a sua trilha em busca: Bella Baxter, sente-se insegura, ao mesmo tempo que se sente desejosa de conhecer o novo. A personagem é uma adulta que é trazida à vida depois de ter-se implantado um cérebro de bebê em seu crânio. Dr. Godwin é um cientista que gosta de extrapolar os limites da ciência e testar até onde pode ir e o que pode alcançar com seus empreendimentos. Sua jornada, mesmo estando fechada em um laboratório, está entrelaçada com a de tantos jovens cientistas, desejosos pelos estudos. 

Lanthimos busca por novidade num quadro que já não se tem muito o que fazer – se tem, ele não foi o que conseguiu, por enquanto – dentro de uma literatura do tempo do Iluminismo. Mas a sede de busca, mesmo não sendo novidade, é uma sede humana por ter-se algo a se agarrar, apegar-se e poder afirmar que é seu, só seu. Pobres Criaturas consegue nos socar, apunhala-nos pelas costas, quando defende a ideia de favoritismo de classe e predominância de raças, sobretudo quando, na jornada pessoal de Duncan e Bella, ambos são colocados diante de suas mazelas e fraquezas. 

A cena dos pobres, famintos e moribundos abandonados nos escombros e porões de um castelo suntuoso nos questiona onde que estes mesmos indivíduos são largados entre as nossas comunidades hoje em dia. Há charme em Pobres Criaturas! A monstruosidade parece ser mais humana do que pensamos ser. O que tanto afastamos de nós através de discursos hipócritas, está mais presente em nossas ações do que imaginamos. Abrimos mão do humor e colocamos no lugar um drama repulsivo e nojento diante dos desejos mais sórdidos que podemos sentir. 


Seria isso, libertação? 

É complicado afirmar uma verdade assim referindo-se à liberdade feminina. Ficamos em frente uma tela por mais de duas horas assistindo um ser humano balançando os braços, ensaiando passos de música sem ritmo e balbuciando as primeiras palavras quando se está aprendendo a arte da fala. Liberdade, sim, talvez. O filme de Lanthimos é sobre uma exploração empreendida de todas as fontes e vinda de todos os lados e sentidos. Cada sentido do corpo humano tem a sua supremacia e relevância. Mas, quando colocados em sintonia e trabalhados em harmonia, tornam-se fortes e difíceis de serem enganados ou ludibriados. 

Enfim, um trabalho como este que ganha notoriedade na maior premiação do cinema merece nossa atenção. A Direção de Arte deste filme é fenomenal. Roteiro e Edição são um primor. Stone conquista o seu segundo Oscar da carreira e foi muito bem merecido. Estamos diante de um filme sobre a vida; nossa? Talvez! Mas sobre uma vida que está constantemente diante do pobre e da abundância; da loucura e da sensatez; do nojo e da elegância. Diante do que podemos e queremos fazer em relação à nossa própria existência.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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