13 Jan
13Jan

Se a data é celebrada por reunir, congregar, juntar e unir famílias e amigos, neste caso, o espectador pode ficar um pouco atordoado com a proposta central de Os Rejeitados, dirigido por Alexander Payne. A comédia misturada ao drama familiar conta a história de pais e filhos em que, ambos desprezam um ao outro e até se esquecem que o outro existe no feriado de Natal e Ano Novo. Trazendo o espírito da década de 1970, no centro da narrativa está o professor de História Clássica Paul Hunham (Paul Giamatti) que recebe a ingrata tarefa de acompanhar os jovens estudantes que ficaram sem ter pra onde ir no feriado natalino. Hunham é um professor amargurado e mal-amado, no qual, parece que toda a sua vida se resume naquele triste ambiente escolar interno no interior de Massachusetts. Se os alunos com quem ele precisa passar o fim de ano foram esquecidos por seus familiares, Hunham também é um homem esquecido pela vida, por não ter tido a coragem de sonhar um pouco mais, ou de enfrentar seus medos. 

Ao lado do professor, deparamo-nos com o aluno Angus Tully (Dominic Sessa). A ironia de Tully e seu lado sarcástico e mal-criado dão à trama uma relação que provoca em nós o riso e a alegria; ao mesmo tempo em que, quando somos colocados diante dos traumas familiares de Tully e das dores da profissão de Hunham, o riso se transforma em dor e sofrimento. Outro destaque é dado à atriz vencedora do Globo de Ouro, Da’Vine Joy Randolph, que interpreta a chefe de cozinha da escola, Mary Lamb. Uma mulher machucada pela vida e que não consegue superar do luto. Uma mulher negra e cozinheira de uma escola que não suporta ver tantos jovens com má educação, brancos, ricos, reconhecidos socialmente terem tantas oportunidades de estudo e, enquanto desprezam todas essas chances, ela cita seu filho que não teve a mesma chance, a mesma oportunidade e que hoje “dorme num chão frio e sem companhia”


A empatia natalina 

Talvez o roteiro de David Hemingson não nos provoque tanta inovação, na verdade, a história é bastante previsível. Contudo, a relação que se costura entre Mary, Hunham e Tully é recheada de empatia e de amor natalino. Tully tem pais divorciados; uma mãe que prioriza o novo casamento e deixa o filho sozinho na escola; um pai doente mental que é esquecido na clínica de recuperação. Tully encontra em Hunham uma companhia, apesar de insuportável, mas familiar, pois ali, segundo ele, encontra o verdadeiro sentido do que significa uma celebração de Natal reunidos. Mary é uma mulher que transmite sua dor no olhar e nas expressões do rosto. Randolph é magnífica com sua personagem e ela faz daquela mulher uma humana cheia de feridas, mas que insiste permanecer de pé, mesmo diante da dor. 

A cena em que Mary visita sua irmã, grávida e que dá a ela o suporto para que seu sobrinho cresça num ambiente de oportunidades é emocionante. Ali está o verdadeiro Natal. Na mesma medida, os olhos e as expressões faciais de Tully anunciam a rejeição que ele sofre em relação a amigos e família. Sessa é um achado para interpretar jovens dramáticos e que precisam anunciar personagens que sofrem de tais males sociais. O título deste filme – nesta tradução para o português – expressa nitidamente todo o escopo social de Tully. 

Tully, Hunham e Mary são idênticos se partirmos de suas rejeições: no caso de Mary, tal rejeição parte dela mesma, da dor que ela sofre e do luto insuperável. Sua rejeição a afasta de novos interesses amorosos e faz dela aquela funcionária escolar que está ali simplesmente por não encontrar nada mais valioso ou interessante para fazer. 


O clichê natalino que funciona 

Os Rejeitados de Payne está longe de ser aquela obra esplêndida e recheada de novidades. Mas o coração do filme nos faz torcer por seus personagens e pela história de cada um. Payne, ao decidir concluir as mais de duas horas de filme num desfecho de pouco impacto, talvez revela que a história de cada um de nós não precisa de grandes feitos para seguir em frente. No fim de tudo, deparamo-nos com um professor que se despe de sua arrogância e se veste de empatia para salvar o futuro de Tully. Por tal ato, Hunham é demitido (mais uma vez) de uma escola, mas agora, com um desejo para o futuro que pode refletir-se em quem é, de fato. 

Com tantas obras à nossa volta, cheias de dor, sofrimento, mortes, tragédias, atos que exploram o lado doído e escuro do ser humano, Payne nos oferece uma narrativa com mais carisma, mais amor e uma história que está interessada em revelar o lado afável, amigável, gentil e belo de cada pessoa. Entre tantas franquias que estão se esgotando em suas tentativas fracassas de renovar, ou de explorar o novo, de vez em quando encontramos histórias como essa que exploram o simples e o comum, sempre olhando por novas perspectivas. 

Enfim, estamos diante de uma fábula natalina, não aquela povoada por animais falantes, mas com seus personagens animalescos que tentam, a todo custo, agradar. O ambiente colegial do internato na Inglaterra não deixa de levantar suas duras críticas às classes sociais – em que umas dominam e outras se tornam submissas – e também aos preconceitos como o racismo, a religião e a xenofobia. O ambiente de guerra é propício para que nós possamos rejeitar certas pessoas, certos costumes, certos hábitos, certas culturas... E não estaríamos nós, ainda hoje, rejeitando e excluindo tantos outros pelo simples fato de não serem iguais a nós?




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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