19 Jul
19Jul

Sem negar as raízes do pai, a jovem filha cineasta Ishana Night Shyamalan inaugura sua filmografia com um terror regado de suspense, cores frias, medo e uma narrativa que não nega as fontes. Seu pai, M. Night Shyamalan marcou a história do cinema com longas que desafiam o suspense original e o terror clássico. Agora, Ishana não se afasta nem um pouco dessa ideia originária paterna e segue na mesma linha em Os Observadores. Mas, será que entre esses dois, há algo que possa identificar o que é trabalho de um e o que é marca registrada do outro? Ainda é cedo para dar uma resposta concreta e acerta a esta pergunta. Contudo, o trabalho de Ishana é muito bom, com narrativa muito bem ancorada numa história que envolve a humanidade e suas ambições. 

Em seu filme de estreia acompanhamos Lucy (Dakota Fanning) que, ao atender o pedido de seu patrão, perde-se numa floresta sombria da Irlanda. Ao tentar escapar daquele lugar que não parece ter fim, ela se encontra com Madeline (Olwen Fouéré) que a conduz para uma construção no meio da mata que ela chama de poleiro. Nesta casa, há uma parede de vidro onde, Lucy, Madeline, Daniel (Oliver Finnegan) e Ciara (Georgina Campbell) são observados por criaturas não-humanas que, por algum motivo, não podem caminhar sob a luz do dia. Fica claro, desde o início, que a obra vai se utilizar de um grande plot twist para encerrar o último ato. A criatividade de Ishana está em não nos revelar em que momento e nem em que personagem este recurso será utilizado. Portanto, no final, percebe-se que o que estávamos assistindo nada mais era que um “conto de fadas”. 


Por que um “conto de fadas”? 

E aqui há uma profunda conexão de Ishana com o estilo do pai: sem se preocupar em explicar e dar detalhes do que se segue, a cineasta inicia sua história mais preocupada em discorrer cada ato cena após cena. O primeiro ato do filme é espetacular! Já no começo ficamos fascinados com a direção de fotografia de Eli Arenson. Simplesmente perfeito. E isto é essencial para nos segurar no filme. Nossa atenção se volta à Lucy que, representando o típico da rebeldia numa situação de perigo e pavor, quem nos entrega esta personalidade acaba sendo Daniel. Ishana nos faz apostar em Lucy e nos engana revelando a fragilidade humana e psicológica de Daniel. A personagem de Madeline nunca nos enganou, mas também nunca nos fez duvidar dela por completo. 

O filme adapta a obra de A.M. Shine que também assina o roteiro junto de Ishana. E a lição que tiramos deste trabalho é que não basta sermos parte de uma sociedade do espetáculo, na qual quem nos assiste tenta copiar nossos trejeitos. Vai um pouco mais além: quem nos assiste, almeja em ocupar o nosso lugar. A metáfora dos “monstros” que os observa no poleiro através de uma parede de vidro remete-se ao que estamos enfrentando atualmente com o que a IA e os avanços tecnológicos estão conquistando. Somos observados a todo instante e o que estamos presenciando nada mais é que máquinas e inteligências não-humanas copiando o que nós fazemos há tanto tempo. 

Voltando ao “conto de fadas”. A mitologia que acompanhamos é aquela de um passado remoto em que humanos e fadas conviviam em harmonia sobre a terra até que um humano e uma fada se apaixonam e desse amor nasce uma criatura híbrida que ameaça inaugurar um novo tempo na história da humanidade. Amedrontados com o que as criaturas poderiam fazer, os humanos decidem trancá-las debaixo da terra, numa tumba escura e sem a luz do sol. Onde as fadas perdem suas asas, sua magia e sua beleza, transformando-se em criaturas diabólicas, horrendas e com sede de vingança. 


Respostas tarde demais 

Quando o roteiro decide nos dar respostas, o filme já se encontra em seus últimos minutos. Por que esta construção no meio de uma floresta inacessível? Porque um professor (John Lynch), sabido desta mitologia construiu este banker para estudar estas criaturas. E mais, o tal professor era o humano que se apaixonou pela fada, que, neste caso, era a própria Madeline. Quantos plot twist num só, não é mesmo? Essa marca carrega em cheio o estilo cinematográfico de Shyamalan. É o famoso tal pai, tal filha. Um seguindo as pegadas de outro. 

A experiência com Os Observadores é digna de nossa atenção. Ishana Night Shyamalan começou bem. Seguindo ou não o estilo do pai, sua filmografia promete grandes sucessos para o futuro. A parede de vidro no poleiro é um reflexo do que pode ser real e o que poder ser simplesmente um conto de fadas na vida de cada um de nós. Vale exaltar aqui a atuação de Finnegan e Campbell, dois jovens atores que, em cena, souberam transpor o oposto de um ambiente que funcionaria (ou não) perfeitamente sobre regras. Portanto, a sociedade atual, imersa em seus códigos de conduta, listas de normas e conceitos éticos, precisa definir o que ela reflete.



Por Dione Afonso  |  Jornalista

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