11 Apr
11Apr

Bong Joon-ho, cineasta e roteirista sul-coreano tem uma filmografia de respeito. Conhecido por misturar humor ácido com tons sociais e profundos, encontramos, desde Memórias de um Assassino [2003] até o vencedor do Oscar Parasita [2019], temas sociais que desafiam as crenças humanas e os limites morais e da ética. Quando a obra fílmica decide assumir um caráter mais caricaturato, é inevitável não termos que lidar com opiniões que dividem o público entre os que aceitam, elogiam e ovacionam e os que não sabem bem se compreenderam e, quando compreendem, negam, criticam, rotulam e faz com que a obra caia no esquecimento. O roteiro aborda um ambiente futurista em que uma nata social, branca, “limpa”, sem defeitos, rica e “perfeita”, possa habitar um planeta congelado e lá, procriarem, afim de expandir o que tem de melhor entre os humanos. Será, mesmo? 

Robert Pattinson é Mickey Barnes que, ao aceitar entrar na expedição, ele aceita ser um descartável, ou seja, como parte dos experimentos que vão desde a comidas exóticas e remédios até a testes na nova atmosfera. Toda vez que algo dá errado, Mickey é sacrificado e, reimpresso numa câmera capaz de fabricar novas cópias do mesmo ser. Por isso, descartável. Ao lado de Pattinson temos um Mark Ruffalo que, infelizmente entrega uma das piores atuações de sua carreira; Naomi Ackie; Toni Collette; Anamaria Vartolomei e Steven Yeun completam o elenco. Além de dirigir, Bong Joon-ho também assina o roteiro que é inspirado na obra Mickey7 de Edward Ashton. Barnes e Timo [Yeun], para fugir de uma dívida embarcam na expedição comandada por Kenneth Marshall [Ruffalo], um político de caráter duvidoso com seguidores fanáticos. 


Quem fala demais, sente de menos 

A obra de Joon-ho é a primeira desde sua vitória no Oscar em 2019, o que eleva e muito as nossas expectativas. Infelizmente, o que assistimos é um filme que carece de sentimentos e que não consegue encontrar o seu coração, ou seja, a razão de ter sido feito. Joon-ho se envolve num projeto grandioso demais, mas, sem alma. Ao abordar temas tão caros para a humanidade como a ética laboratorial, os esquemas de escolhas dos novos viventes no planeta recém-descoberto, a falta de empatia com outros seres com vida, sentimos que o diretor se perde ao tentar passar para as telas o que sente. Uma das mais belas atuações são as de Yeun e de Collette. Eles se divertem com a arte que se prestam a interpretar. Collette dá vida à esposa de Marshall como a estonteante Ylfa, que nos entrega as melhores cenas de todas as mais de duas horas de filme. 

Por outro lado, Ruffalo, Pattinson e Ackie tem seus talentos desperdiçados. Todos eles não sabem o que fazer com seus personagens e nem se tem clareza do que eles precisam representar diante das telas. O discurso que afirma que todos naquela nave são especiais simplesmente pelo fato de estarem ali, por terem sido escolhidos beira ao fanatismo doentio e assombroso, mas, infelizmente isso não é explorado pela narrativa. Há dilemas sérios que tentam ganhar peso com o roteiro, mas não conseguimos enxergar o desenvolvimento deles nos diálogos que acontecem. Por mais que a personagem de Ackie se mostre mais humana que todos ao redor, e isso é super importante prestarmos atenção, seu tempo de tela é sacrificado em nome do humor e das atuações sem vida dos protagonistas. 

Joon-ho não consegue nos divertir. A obra é maçante e nos faz cochilar várias vezes. Há muitas coisas na nossa sociedade que precisa ser descartável, porém, não é a humanidade que se livrará de tais escolhas. Mickey 17 tem boa premissa, mas nada se é desenvolvido. A cada ato, parece que tudo se desmorona e nada consegue encontrar seu eixo narrativo para seguir em frente. A caricatura de Ruffalo assume, em alguns discursos a realidade que estamos assistindo na política de Trump, quando este tem assumido ideias e posições bastante questionáveis em seu mandato. E isso é gratuito e até satisfatório. Quem dera a produção tivesse tido um pouco mais de coragem e feito de Mickey 17 um novo e atualizado Parasita 2.0, isso, sim, teria provocado os poderosos desta nossa nação e provocado algumas discussões interessantes.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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