31 Jan
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Vale ressaltar que a nova obra do cineasta Sean Baker foi o Vencedor do Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2024. Baker é um diretor muito visado pela indústria, pois através das lentes que controla em suas produções ele consegue captar o inimaginável e faz do impossível uma grande história. Depois que ele ousou filmar um filme todo com um iPhone e o trabalho tornou-se referência e sucesso de crítica e de público, tudo o que ele se propõe a fazer ganha crédito e atenção. Quando olhamos para sua trilogia de sucesso – chamamos de trilogia simplesmente pelo contexto, mas são histórias independentes – Tangerine [2015]; Projeto Flórida [2017] e Red Rocket [2021] percebemos que o interesse de Baker é por histórias que abraçam o vulnerável, a classe opressora e os invisíveis da sociedade. 

O mesmo acontece com Anora [2024], filme que tem conquistado indicações memoráveis nesta temporada de premiações. Só nesta edição do Oscar, ele concorre a 6 Categorias, incluindo na de Melhor Filme, Melhor Direção e de Melhor Roteiro Original. Longa conta a história de Anora, vivida pela Mikey Madison, uma stripper que trabalha em casas de sexo em Nova York que numa noite conhece um jovem russo bilionário que vive esbanjando e se divertindo com a fortuna que a família deixa à sua disposição. Ivan [Mark Eydelshteyn] ao conhecer Anora altera seu status de cliente, torna-se namorado e de namorado, marido. Com um casamento que acontece repentinamente, Anora cai num famoso conto de fadas, contudo a “Gata Borralheira” acaba não tendo um final muito feliz, mas a sagacidade do roteiro nos dá um final satisfatório. 


Coadjuvantes verdadeiros 

Muitas vezes, o corpo de elenco dos artistas coadjuvantes é desprezado ou, poucas vezes ganham nossa atenção. Baker, que também assina o roteiro, consegue fazer algo que poucos acertam: dar aos coadjuvantes uma história verdadeira. Não é o tempo de tela que determina o sucesso de uma atuação, mas é o que cada ator ou atriz consegue entregar nos 10 segundos que a câmera está dedicando à sua atuação. Igor [Yuriy Borisov]; Diamond [Lindsey Normington] e alguns outros personagens que aparecem no filme são exemplos ótimos deste profissionalismo em tela. Bosisov, inclusive, conquistou sua indicação na Categoria de Melhor Ator Coadjuvante no Oscar, e foi merecido. Seu personagem, com poucas falas, conquista o público pela sua presença e pela personalidade que o impõe, vezes como um amigo enigmático, outras como um homem perigoso. 

A Anora de Madison não humilha os que aparecem em sua vida para que os holofotes a façam brilhar. Seu brilho é próprio e natural. Na casa de prostituição, o sexo é sua moeda de troca e a única linguagem que a garota sabe pronunciar. Vemos a jornada de uma mulher que leva tudo muito na naturalidade e a chegada do jovem Ivan a faz viver uma história de Conto de Fadas que não passou de uma ilusão e mentira. Eydelshteyn representa os tantos homens e garotos por aí que, mimado pela família e adornado de dinheiro e prazer, compra tudo o que deseja, até mesmo o sexo e as mulheres que quiser. Baker consegue nos enganar por uma fração de segundo, fazendo-nos acreditar nos sentimentos daquele garoto, para, no ato final nos deixar decepcionados e com raiva de uma atitude que já estava claro que iria acontecer. 

Quando achamos que o filme, com suas mais de duas horas de duração, perde a sua novidade, a cartada final de Baker é a presença silenciosa, enigmática e ameaçadora de Igor muda o tom desta comédia. O personagem de Borisov é a grande surpresa da narrativa. Talvez não se trata de um plot twist, mas é uma virada de personalidade numa presença humana que não estávamos prestando atenção, ou talvez, estávamos atentos, mas pelos motivos errados. Estes personagens entregam com maestria a história de uma forma muito honesta e real. De fato, Baker não está nos contando uma mentira, mas é a realidade de tantas mulheres por aí que sonham com este Conto de Fadas, mas com a esperança de terem um final mais feliz. 


Entre luzes e ambientes 

Sean Baker sabe o que faz! Prova disso é quando ele consegue transitar por ambientes completamente opostos, como o luxo e a riqueza de Las Vegas, com todo aquele brilho e luzes vibrantes, até o subúrbio novaiorquino com a falta de luz requintada, mas, mesmo assim, claro como a luz natural. A luz neon do local de trabalho de Anora também se contrasta com os ambientes diurnos e periféricos que a personagem vive. Um apartamento simples, ao lado de uma linha de trem, tudo muito em tons frios e sem novidades, mas tudo muito real e verdadeiro. Esse tom confere ao filme de Baker a assinatura do cineasta. Sempre preocupado em retratar sobre a vida e as histórias de pessoas que não são vistas socialmente e que nem são creditadas nos espaços públicos e de fala, ele usa as luzes – a falta delas – para mostrar o que é real. 

Portanto, mesmo que Anora tenha chamado a nossa atenção nesta temporada de premiações, com altas indicações também no Globo de Ouro, longa de Baker enfrenta concorrentes à altura. Não é um filme simples, apesar da história ser contada com muita leveza. Madison está na atuação de sua vida e entrega um trabalho impecável. As lágrimas que a personagem deixa rolar na última cena do filme são tão verdadeiras que a partir dali você sai da sala do cinema continuando a contar esta história. São muitas camadas envolvidas dentro daquele sentimento de desespero, misturado ao alívio, com uma pitada de raiva e duas doses de dor.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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