Quando Matt Reeves inaugurou uma nova fase para a DC com o seu Batman interpretado por Robert Pattinson em 2022, talvez já estivesse no seu imaginário em criar um Universo mais amplo com os personagens que envolvem aquela Gotham suja e impregnada de crimes e vandalismo. Pattinson se dedicou ao máximo para nos entregar um Bruce Wayne depressivo, escuro, enigmático, calado e com o sabor amargo da vida em sua pele. Foi um bom trabalho. Encontramos nessa nova versão do Homem Morcego alguém que sofre tanto quanto as pessoas das ruas, mas que encontra algum lumiar para se reerguer e tentar fazer a diferença. Reeves, em 2022 ainda escalou Zoe Kravitz, que deu vida a Selina Kyle, a Mulher Gato; Paul Dano, como o Charada; Andy Serkis é Alfred; Barry Keoghan é o Coringa e, Colin Farrell é o nosso Oz (Oswald Cobblepot), o Pinguim.
Farrell, um ator consagrado, vencedor de oscar, encharcou-se de desumanidade, perversidade, e de muita atuação e profissionalismo para nos entregar um Pinguim tão cruel, tão mal e tão original. Fica muito claro como que a série bebeu da fonte do filme de Reeves e trouxe para a TV um recorte preciso e minucioso de um personagem que pode mudar o futuro, para o bem ou para o mal. Oz vive em guerra com os Falcone que acaba sendo liderados pela Sofia Falcone (Cristin Milioti) e pelos Salvatore. A briga de gangues e a disputa por lugar na nojenta, fria e cinza Gotham é o que dá ritmo e coerência aos episódios. Essa primeira leva de 8 episódios são fechadinhos. Sabe onde começou e onde terminou. E sabe que se houver um futuro, ela poderá nos entregar muito mais.
Pinguim é mal. Perverso. Isso ficou muito claro para nós desde o primeiro episódio. Se no filme sua presença foi mais de um alívio cômico e de uma pessoa utilitarista, agora ele é o protagonista, o dono da narrativa e de toda a Gotham. O roteiro soube trabalhar as dualidades de interesses de cada um de seus personagens. Enquanto vemos um Pinguim que não se importa com ninguém, mas que ainda mantém escondida sua mãe (Carmen Ejogo) que todos acreditam ter morrido, ainda o vemos com seu sentimento de puro amor. Será, isso, mesmo, amor? Amor pela mãe? Ou seria outra coisa. Com Sofia Falcone também não é diferente. Recém saída do Asilo Arkham, onde foi jogada injustamente pelo pai, Sofia decide empreender um negócio cruel e perverso em Gotham, o que ela não esperava era que Pinguim seria um adversário mais forte do que imaginava.
A briga por espaço e por lugar foi alimentando o desejo de poder e até bélico entre as gangues de Pinguim e dos Falcone. A desconstrução da personalidade de Sofia vai acontecendo gradualmente e a falta de cores dá ritmo e segurança com o que o roteiro pretendeu nos entregar. Sofia, quando aparece toda de vermelho, num lugar sem cor, escuro e abandonado, à noite, sobre as águas turvas e imundas se destaca. De um lado, o tom vivo e vermelho ainda a consagra com seu poder e sede de vingança; por outro lado, é uma cor que pode indicar um futuro ainda promissor. O mesmo com Pinguim que desfila para todo o lado com um carro milionário e roxo. Uma cor que não é difícil de se esconder e nem de esquecer. Um tom de cor viva enquanto tudo ao redor é morto, escuro e sem cor.
São formas inteligentes de trabalhar a dualidade de personalidades e até mesmo de personagens. Ninguém esperava, por exemplo, que depois que o jovem Victor (Rhenzy Feliz) ter crescido dentro da trama, fosse ter um triste fim no episódio final. Mas é isso que a dualidade faz com a gente. Nos faz acreditar. Nos faz sonhar. Nos faz apostar, para depois levarmos uma rasteira de onde menos esperamos. Gotham é má. Uma cidade impregnada pela maldade. Assistimos à explosão que o Charada (Dano) provocou contra o Batman, as águas inundando tudo, matando pessoas, deixando Victor órfão. É uma cena assustadora e que nos pegou desprevenidos. A solidão e a tristeza do ambiente também nos afetaram e nos fizeram envolverão ainda mais nas cenas.
Agora, com a DC sendo capitaneada por James Gunn, que está construindo um universo que terá seu começo com o Superman de David Corenswet não está muito aquém deste universo de Reeves. Gunn deu o sinal verde para a sequência da série Pacificador, que já está com sua segunda temporada no ponto. Uma série animação Comando das Criaturas também está chegando. E, Gunn apreciou e elogia O Pinguim e afirma ser algo que não pode deixar de lado. O encerramento desta primeira leva de 8 episódios deixou um terreno fértil para a sequência de The Batman II do Pattinson. Provavelmente com o Pinguim se consolidando como um vilão mais forte e disposto a enfrentar o Homem Morcego. Ainda não sabemos.
A criadora da série Laura LeFranc está muito satisfeita ao lado de seu time de roteiristas pelo o que conseguiram nos entregar. A série é um espetáculo. Com um roteiro afiado; diálogos prontos e diretos. Uma série de TV que se reconhece como série e que sabe que sua estrutura foi feita para este fim. O Pinguim é uma das melhores obras para a TV de 2024. Ainda não conseguimos equiparar sua qualidade, time de atuação, roteiro e produção com alguma outra desta era. O momento em que nos encontramos agora é aquele em que Oz, depois de tirar a vida de Victor, admira o lado à sua frente e do outro lado, vemos uma Gotham iluminada limpa, de ar puro e água tratada enquanto ele está sentado do lado de cá, na Gotham da criminalidade, do povo sujo nas ruas, devastada pelo último grande ataque que a condenou e, no céu... aquele sinal...
Por Dione Afonso | Jornalista