25 Jul
25Jul

Esta não é a primeira adaptação direta do best-seller de 1987, escrito pelo norte-americano Scott Turow. Há, pelos menos, dois longas-metragens que já se inspirou nas páginas de Turow e a mais bem avaliada é a de 1990 estrelada por Harrison Ford no papel principal, ao lado de Bonnie Bedelia e Brian Dennehy. Agora, a minissérie da Apple TV+ traz Jake Gyllenhaal no papel principal. A série é criada por David E. Kelley e por J. J. Abrams e apresenta a clássica fotografia que outras séries do streaming já nos mostraram, como em Em Defesa de Jacob (2020), estrelada por Chris Evans, Jaeden Martell e Michelle Dockery e em Ruptura (2022), série indicada ao Emmy e estrelada por Adam Scott, Zach Cherry e Britt Lower. A paleta de cores frias e enigmáticas destas produções provocam aquele ar sombrio, dramático, solitário e de um suspense que acaba nos convidando à experiência audiovisual. 

Rusty Sabich (Gyllenhaal), um Promotor de Justiça em Chicago é acusado de homicídio ao descobrir que sua colega de trabalho e, também amante, foi brutalmente assassinada. Sendo o principal suspeito, a evolução do caso vai tornando-o cada vez mais visível a sua acusação. É louvável percebermos que um ator, cujo estamos acostumados a vê-lo em papeis de mocinho, “perfeitinho”, cômico, agora encara uma narrativa mais intensa e que revela outras faces que não conhecíamos em Gyllenhaal. Rusty, casado, com dois filhos e com uma carreira louvável nos tribunais, envolve-se com Carolyn Polhemus (Renate Reinsve), sua parceira de trabalho. A relação é mantida em segredo dos amigos no trabalho e da própria família. 


A família Sabich e suas ótimas atuações 

O primeiro destaque que damos a esta série é o time que compõe o núcleo familiar do personagem de Gyllenhaal: Ruth Negga dá vida à esposa Barbara Sabich e os jovens Chase Infiniti e Kingston Rumi Southwick vivem os filhos Jade e Kyle Sabich, respectivamente. O que este grupo de atores faz com seus personagens é de uma profundidade performática impressionante. Negga entrega uma esposa que não se contenta em entregar um papel de vítima, muito pelo contrário, Barbara torna-se a âncora de apoio do marido infiel e suas expressões faciais arrancam espanto de quem a assiste frente as telas. Southwick é aquele filho que se revolta, mas que não sabe deixar de amar o pai, enquanto Jade é a filha que ama ainda mais e revela um rosto que, se fosse possível, ela faria qualquer coisa pra não perder o pai. 

O núcleo narrativo da minissérie é basicamente os dramas e a trama desta família. O fato de Rusty convidar o melhor amigo pra ser seu advogado, Raymond Horgan (Bill Camp) e este sofrer uma ameaça de infarto durante o julgamente, diante do Tribunal é de uma sensibilidade roteirística formidável. Camp é um ótimo ator, determinado e capaz de entregar tudo o que o personagem em questão exigir. Os “rivais”, ou seja, o lado da acusação com Tommy Molto (Peter Sarsgaard) e Nico Della Guardia (O.T. Fagbenle) também não medem esforços em fazer cumprir a lei e colocar atrás das grades quem matou uma colega de trabalho que era perfeita no que fazia. 

Ronda, também, em toda esta narrativa certa inocência premeditada, mas, que, não demora muito, ela se torna favorável e se encaixa muito bem na trama. A família Sabich é serena demais, calma demais, nada de gritos, nada de surtos... muito pelo contrário. Há uma predominância ao bom senso e ao equilíbrio emocional. As cenas diante das consultas psicológicas vão costurando uma história de sensatez e do não-julgamento. Gyllenhaal entrega um Rusty sincero, sincero até mesmo nos detalhes sensuais e isso confere aquele voto de credibilidade que os demais precisam para consumar sua inocência. 


O resultado do julgamento 

A surpresa numa grande reviravolta da história no episódio final precisou ser grandioso e, de fato, forte e pesado. E foi. A conversa entre Rusty, Barbara e Jade no quartinho externo, separado da casa impacta, tanto os personagens, quanto quem os assiste. Mais uma vez há a supervalorização e o amor de Rusty para com sua família. Mais uma vez, o personagem é vangloriado por uma ação. Assistir Rusty sendo massacrado nos 7 episódios, mas, ainda assim, mantendo o controle conjugal, social, emocional desemboca nesta cena final em que ele próprio revela que o seu amor pela família o fez praticar um ato que a salvaria de seu declínio total. A sensibilidade de Negga, ao escutar a personagem de Infiniti revelando tudo o que aconteceu corta o nosso coração, explode ali, naquela cena, muita dor, desespero e medo do que aconteceu. 

Acima de Qualquer Suspeita não erra em provocar certa humanização num processo criminal. Muitos podem criticar estas produções por terem uma paleta de cor mais simplificada, ou resumida, mas, saiba que menos cores, não é sinônimo de que algo ficou sem cor. A minissérie não nos deixou preocupados com o destino final de Rusty, provavelmente, talvez quem assista nem se importe se ele vai ou não pra cadeia. Com menos da metade dos episódios, nós já nos convencemos de que ele não cometeu o crime. A partir dessa certeza, perde-se completamente o interesse pelo personagem e começamos a investigar quem, de fato, matou Carolyn Polhemus. E, ganhamos quando não conseguimos suspeitar daquele personagem que cometeu o crime. E é aqui que está o acerto! Nossa atenção se volta para uma construção muito maior que não depende apenas de um personagem, mas de tudo o que está à volta dele. 





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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