07 Oct
07Oct

“Ah, vocês podem me achar pouco atraente,

Mas não me julguem só pela aparência

Engulo a mim mesmo se puderem encontrar

Um chapéu mais inteligente que o papai aqui.

[...]

Por isso é me porem na cabeça que vou dizer

Em que Casa de Hogwarts deverão ficar

Quem sabe sua morada é a Grifinória,

Casa onde habitam os corações indômitos.

Ousadia e sangue-frio e nobreza

Destacam os alunos da Grifinória dos demais,

Quem sabe é na Lufa-Lufa que você vai morar,

Onde seus moradores são justos e leais

Pacientes, sinceros, sem medo da dor,

Ou será a velha e sábia Corvinal

A casa dos que têm a mente sempre alerta,

Onde os homens de grande espírito e saber

Sempre encontrarão companheiros seus iguais,

Ou quem sabe a Sonserina será a sua casa

E ali estejam seus verdadeiros amigos,

Homens de astúcia que usam quaisquer meios

Para atingir os fins que antes colimaram

[...]

[ROWLING, J. K., 2001].

 


 

A música em Hogwarts proporciona a metáfora da realização dos desejos de cada aluno. Assim como “a imagem do recurso da música para a fundação de Nárnia funciona como uma metáfora de harmonia e ordem que o criador, Aslan, neste caso, impõe ao caos” (FERNANDÉZ, B. 2015). Em Harry Potter e a Câmara Secreta (2001), a história nos revela os Quatro Fundadores que deram origem a Hogwarts, num determinado momento se rebelaram entre si. “Ocorreu uma cisão entre Slytherin e os outros...” (p. 116). É aí que entra o Chapéu Seletor com sua música. A música estabelece a paz. Põe ordem onde há caos.

Na filosofia, a música é a representação da própria vontade humana (Schopenhauer). Não só como organização do caos, mas como elemento criador, a criação de Nárnia, por exemplo, é estabelecida através da canção de Aslan. C. S. Lewis cria o mundo de Nárnia e a cada movimento e tonalidade musical dá harmonia àquele universo criado ex nihilo. “O Leão andava de um lado para o outro na terra nua, cantando a nova canção. Era mais suave e ritmada do que a canção com a qual convocara as estrelas e o sol; uma canção doce, sussurrante...” (LEWIS, 2011, p. 59).

Através da música, Hogwarts ganha vida. Rowling apresenta o “Mundo Bruxo” expressado pela canção do Chapéu Seletor. É essa criatura mágica, idealizada pelos Fundadores de Hogwarts que, entoa uníssono a canção que insere o leitor no universo potteriano. Na canção, a autora descreve o compromisso que a Escola tem com os alunos e toda a comunidade bruxa, além de revelar com que objetivo o Chapéu se encontra ali diante de todos os discentes.


Música é personalidade, experiência e história

A música em Hogwarts traz vários elementos: além de revelar os desejos referentes às personalidades de cada aluno, ela também nos oferece condições de possibilidades de uma experiência ao horizonte do conhecimento. Sem contar que o Chapéu Seletor também canta narrando a história e o momento atual. A cada início do ano letivo é praticamente a canção de Hogwarts que prepara a abertura das aulas, dependendo da atmosfera vivida no momento, a canção do Chapéu pode ficar mais alegre ou com tons mais sombrios, interpretando e narrando o que está acontecendo. Sua música acompanha os acontecimentos.

Percebam que a música inicial apresenta as personalidades dos Fundadores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Apresenta também as qualidades e o ideal de ensino e seleção de cada um. “O Chapéu Seletor em geral se limitava a descrever as diferentes qualidades procuradas pelas Casas de Hogwarts, e seu próprio papel na seleção dos alunos” (Rowling, 2000, p. 89).

A música não transmite apenas uma emoção individual nas canções de Hogwarts. A música exprimia a realidade atual pela qual a comunidade estava passando, até chegar ao nível de aconselhar os homens. A música, através de Hogwarts revela o fenômeno mais próximo de cada um intimamente. O que eu sou e vivo pode eclodir no que canto e componho. A música dá objetividade a essa Vontade humana. Vladmir Jankélévitch diz que a música é “uma aventura sobre o inefável”, ou seja, uma aventura que nenhuma expressão do vocabulário é capaz de dizer. O que não conseguimos dizer, nós cantamos. É essa a aventura.


O que canto, o que vivo, o que amo, o que sinto

Portanto, a música tem esse caráter intimista ao mesmo tempo que transcende a sua experiência humana. Assim como ela organiza o que está fora do lugar, pacifica o que está em guerra, cria um “novo mundo”, ela também pode encerrar um caminho. Pôr fim a uma experiência.

Hoje nós vivemos numa era em que os fones de ouvido fazem parte do corpo humano. Não é possível mais sair de casa sem ter um no bolso ou conectado num aparelho. As tecnologias tentam construir aqueles que funcionam sem o cabo e aqueles que sobrevivem debaixo d’água. É a música cada vez mais fazendo parte de nossa vida escrevendo e narrando nossa história e nossas experiências. Nós não ouvimos qualquer coisa. Cada tom, cada letra, cada canção na nossa lista do Spotify diz algo sobre quem somos e o que sentimos. Música é experiência. Experiência que faz história.

A música também objetiva o fim. A morte e o fim da saga de Alvo Percival Wulfric Brian Dumbledore é anunciado pelo canto triste e fúnebre de Fawkes, a sua fênix. Assim como Dumbledore deixa a Escola, Fawkes também parte para o horizonte infindo cessando também o seu canto.

O lamento da fênix descrito no capítulo XXIX de Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2005) traz a música agourenta e fria. Uma canção impregnada de dor e sofrimento encerrando para sempre a vida de seu dono. “Harry sentiu, como antes sentira ao ouvir o canto da fênix, que a música vinha de dentro e não de fora dele: era o seu próprio pesar que se transformava magicamente em canto, ecoava pelos jardins e entrava pelas janelas do castelo” (p. 444). Assim como a música dava início a Hogwarts através da canção do Chapéu Seletor, também em Silmarilion de Tolkien é a música que dá criação á Terra Média. Agora, a música, triste e sombria simbolizava a partida de um amigo... “... a fênix deixara Hogwarts para sempre, da mesma forma que Dumbledore deixara a escola, deixara o mundo, deixara Harry” (p. 457).



“Cada um desses Quatro Fundadores formou a sua própria Casa, pois cada um valorizava uma virtude nos jovens que pretendiam formar: para Grifinória os valentes era prezados acima de todo o resto; para Corvinal os mais inteligentes seriam sempre os superiores; para Lufa-Lufa, os aplicados eram merecedores de admissão; e, Sonserina, os mais sedentos de poder e os de grande ambição tinham lugar.”

(Chapéu Seletor, ROWLING, 2001, p. 132)


 

 

Por Dione Afonso

Jornalismo PUC-Minas

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