09 Oct
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“J. K. Rowling escreve sobre nós, escreve sobre problemas reais. Animais Fantásticos é sobre intolerância e tolerância. Essas são coisas as quais lidamos hoje em dia. Esse é o nosso mundo. Esses personagens são como nós. Eu acho que é por isso que continua sendo importante depois de tanto tempo. Johnny é um ator tão carismático e maravilhoso e um ser humano adorável de se ter por perto. No set, ele trouxe uma enorme quantidade de humor e graça – e um pouco de magia única, porque ele é um astro de cinema, mas muito pé no chão”. 

 

[Entrevista ao Digital Spy / via observatório do cinema].

 

 

 

David Yates é um cineasta britânico nascido em 1963 a 8 de outubro. Seu estilo simétrico cinematográfico, bem como sua carreira no cinema e na direção de longas-metragens tornou-se conhecida quando o diretor entrou para o universo de magia e bruxaria de Harry Potter. Depois de um excelente trabalho feito por Chris Columbus em Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) e Harry Potter e a Câmara Secreta (2002), Alfonso Cuarón deu vida ao terceiro filme da saga em 2004: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.

O próprio Yates considera o trabalho de Cuarón como o melhor de toda a saga de 8 filmes. Ele é apaixonado pelo universo que J. K. Rowling criou e se sentiu imensamente honrado por fazer parte de toda essa história. Ao contrário, o mexicano nunca havia lido nada sobre Harry Potter e, ao ser convidado para dirigir o terceiro filme foi bastante relutante em aceitar o convite da Warner. No entanto, sua passagem por Harry Potter rendeu no filme de maior bilheteria até então.

Antes de chegar a Yates, Cuarón já havia dado uma pitada do que viria a se consagrar num estilo de filme um pouco mais sério e sombrio. Já estava claro que Harry Potter era mais que uma história para crianças, inclusive um público jovem e até adulto contavam os dias para assistir um filme de Harry Potter na telona. Cuarón abriu em Prisioneiro de Azkaban uma nova estrada, fazendo com que a saga começasse a assumir tons mais escuros e com um pouco mais de seriedade. Vale ressaltar também no estilo próprio do cineasta mexicano.

Mike Newell chegou no Universo de Magia e Bruxaria em 2005 quando foi convidado a dirigir o quarto filme da saga. Harry Potter e o Cálice de Fogo distanciou-se completamente do estilo de Cuarón. Claro, não fazemos aqui uma espécie de juízo de valor. Não tem a ver com rechaçar a outra como boa ou ruim. Newell, por carregar um estilo um pouco pendido ao cômico e humor, fez de Cálice de Fogo uma historinha agradável (pelo menos no início), divertida e muito empolgante. Newell sentiu-se desafiado em apresentar ao cinema um roteiro mais romântico e teen num estilo apaixonado ao mesmo tempo em que a atmosfera sombria e assustadora do Retorno de Lord Voldemort invadira a saga.

E aí nesse gatilho que entramos no universo de Yates.


O que Cuarón provocou, Yates consagrou

Talvez, se Yates tivesse assumido o posto de Newell já em Cálice de Fogo, toda aquela atmosfera colorida, divertida e apaixonada das cenas e das relações entre personagens não teria acontecido com tanta veemência. Entretanto, imaginem o que David Yates num teria feito naquela cena do Cemitério narrando a horripilante ressurreição do Lord das Trevas. Macabro seria pouco para descrever. Newell, no entanto, dirigiu com maestria esse evento.

Mas, o que Cuarón havia iniciado em Prisioneiro de Azkaban aproximou-se bastante do estilo sombrio e frio de Yates. Suas produções são sempre marcadas de uma perfeita simetria que são capazes de prender o público em cada cena. Nada, numa cena de Yates passa despercebido e tudo, de um canto a outro é aproveitado. No ato de filmar, nada se perde em seu enquadramento. Vejam só o que Yates fez com A Lenda de Tarzan (2016) seu enquadramento na selva do Congo foi espetacular.

Yates filma com o coração e com a ausência de luz. Ou, usa a luz a seu favor. Não foi atoa que o diretor firmou seu trabalho nos últimos quatro filmes da saga. Desde a Ordem da Fênix (2007) até as Relíquias da Morte (2011), Yates foi alargando e abrindo o horizonte conceitual do que era Harry Potter não só para o cinema, mas para o mundo. Yates inseriu nos filmes de Harry Potter um tema mais político, abordando de maneira jovem temas como abuso de poder, rebelião e ambição.


Harry Potter e o Enigma do Príncipe

Criticado pelo público e obtendo uma aprovação razoável (84% de aprovação no rotten tomatões), Enigma do Príncipe é o melhor que Yates já fez. Um dos melhores filmes de toda a saga por apresentar um outro viés dentro do universo de Harry Potter. Muito menos sobre Hogwarts e o Universo Mágico e muito mais sobre a solidão de cada personagem, sobre o medo deles, sobre a insegurança deles, sobre a frieza, a crise, a missão difícil e a perda. Isso é Enigma do Príncipe. Yates consegue apresentar uma Hogwarts sombria e monstruosa. Os alunos se perdem um dos outros e sentem-se engolidos por enormes salões e vastos corredores gelados.

Mesmo sendo Sombrio, emocionante e às vezes muito engraçado, Harry Potter e o Enigma do Príncipe (2009) também é visualmente deslumbrante e emocionalmente satisfatório. A adaptação foi muito criticada pelo fato do público não encontrar o que o livro de Rowling descreve. A tarefa de apresentar uma mudança de rumo talvez tenha pesado sobre os ombros de Yates.

No entanto, Enigma do Príncipe é o divisor de águas de toda a saga. Um plot twist que muda completamente o rumo da história. O Príncipe Mestiço é revelado sobre uma noite doída marcada pelo assassinato daquele que o defendeu até o fim. No filme, a criança tornara-se adulto, e Harry teria que enfrentar embates, coisas de adultos. A simetria e o recurso imagético que Yates deu a esse filme rendeu o prêmio de Melhor Fotografia a Bruno Delbonnell. Esse foi o primeiro Oscar que a saga havia conquistado. Yates conseguiu reproduzir um visual imagético que se aproximava do estilo de pintura do holandês Rembrant.


De Harry Potter a Animais Fantásticos

O talento de David Yates não se encerrou em 2011 com o lançamento de Harry Potter e as Relíquias da Morte parte 2. J. K. Rowling havia anunciado uma pentalogia focada em Newt Scamander. Um personagem apresentado pelos livros na saga. Muito interessada no potencial que Scamander possuía, Yates foi confirmado para dirigir a volta ao Mundo Bruxo com Animais Fantásticos.

Em 2016, Animais Fantásticos e Onde Habitam aparece abrindo novas portas como um spin-off. Muito antes de Harry nascer, o Mundo Bruxo já apresentava questões políticas sérias. O primeiro filme com um roteiro bastante introdutório trouxe um lado de Yates que ainda não havíamos visto em Harry Potter: Newt é carismático, com ar inocente, alegre e colorido. Yates tinha que apresentar essas cores em harmonia com todo o resto. E ele conseguiu.

Animais Fantásticos e Os Crimes de Grindelwald (2018) veio para consolidar o David Yates sabe fazer de melhor: trazer a saga para tons mais adultos, sérios e emblemáticos. O tema da intolerância e da falta de diálogo na sociedade é muito bem introduzido com suas cenas ausentes de luz e mais arrepiantes. O Ministério da Magia desponta bem escuro e Newt nesse segundo filme também ganha tons escuros. Mas, tudo isso sem perder a magia e a alegria da infância e da juventude.


Feliz aniversário David Yates

O Cicatriz não poderia deixar de fora essa celebração. Yates é referência para nós nesse universo incrível e que representa boa parte de nossa infância e juventude. E, até hoje traz a magia para nossas casas de um jeito sempre provocativo e ousado.

Graças às lentes de Yates, Harry Potter cresceu e veio ficar junto de nós em nossa realidade. Mesmo sendo “trouxas”, os problemas de relações, amizades, poder abusivo também convivem entre nós e precisamos dar um basta nisso. Em Harry Potter a magia mais poderosa é aquela que brota de dentro e se chama amor. Um amor que é capaz de nos levar a um verdadeiro sacrifício. Sacrificar por todos, até mesmo pelos que não nos amam.


“Vocês vieram aqui hoje movidos por um desejo ardente e por saberem que o modelo antigo não nos serve mais. Estão aqui hoje porque anseiam por algo novo, algo diferente. Eu não luto por ódio. Digo que os Trouxas (os Não-Maj) não são inferiores, mas diferentes. Não são inúteis, mas de distinto valor. Não são descartáveis, mas têm uma disposição diferente. A magia só floresce em raras almas. É concedida àqueles que vivem pelas coisas superiores. Ah, e que mundo incrível podíamos criar, para toda a humanidade. Nós, que vivemos pela liberdade, pela verdade e pelo amor”

(Discurso de Gellert Grindelwald em Animais Fantásticos e os Crimes de Grindelwald. ROWLING, J.K., 2018, p. 245-6 do roteiro original trad. Anna Vincentini)


 

 

Por Dione Afonso

Jornalismo PUC-Minas

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