12 Jan
12Jan

O Nosferatu de 1922, desde que foi lançado, é considerado o mais aterrorizante filme de terror já produzido em toda a história cinematográfica. De fato, aquele vampiro enigmático, sem nuances humanas, alto, corpulento, com membros esticados e finos não nos dá a sensação de prazer e felicidade. Muito pelo contrário, em sua presença toda a alegria se esvai e aquele calafrio que sobe na nossa espinha, movimenta-se como uma adaga afiada. 100 anos depois, o mesmo vampiro retorna às telonas, tão assustador quanto antes, a narrativa foca no desejo, sobretudo carnal de uma das protagonistas. Sua conexão com um Conde Orlok do outro lado do mundo é emblemática, mas, de certa forma, convincente. 

O renomado cineasta Robert Eggers busca inspiração na obra de Bram Stoker e no icônico filme de F.W. Murnau para reviver o personagem. Vivido por Bill Skarsgard, a trama segue a protagonista Ellen [Lily-Rose Depp] que vive inconformada com a vida conjugal que leva ao lado de Thomas Hutter [Nicholas Hoult] um simples agente imobiliário. Assustadoramente, Ellen sustenta e desenvolve uma estranha conexão com Orlok, o que a leva deseja-lo incondicionalmente. A narrativa acaba se tornando um jogo de perigo e sedução, cenas assustadoras e contextos inexplicáveis que novamente eleva o terror numa escala há muito não vista nas telonas. Willem Dafoe; Emma Corrin e Aaron Taylor-Johnson completam o elenco. 


O horror elevado 

É notório perceber que a teatralidade de Eggers não foge do convencional, ao mesmo tempo em que não se entrega ao formato comum de nos assustar. A família que é assassinada no filme, por exemplo, é uma das cenas mais horripilantes desta trama e nada ali é convencional. Comum? Depende do ponto de partida. O melodrama de Ellen com suas crises existenciais e o jeito esquizofrênico vão preenchendo as cenas e dando à narrativa tempo para que o terror se consolide e entregue o seu nível mais elevado de assombro. Estamos vivendo a era dos relacionamentos frágeis e pouco concentrados em valores que perduram. Tempos em que aquilo que é feito pra durar, rapidamente é esquecido. Tempo em que a miséria humana é encarada sem torpor nenhum e vista como algo comum e de construções plausíveis para a pessoa humana. 

Nosferatu, emerge dessas profundezas enigmáticas e vis para nos surpreender com uma narrativa que tenta, a algum custo, nos amedrontar diante de uma realidade pecaminosa ou de corações sadios e humanos que se entregam facilmente a um desconcerto sobrenatural. Quando Ellen acredita que todos os seus pesadelos não são nada demais e que na verdade ela teme ficar sozinha e declara intenso amor pelo marido, o público de imediato desconfia de tal alegação e percebe que a consciência humana daquela mulher tenta se desvencilhar de algo muito maior. Eggers sabe o que ele tem em mãos. Conhece o material que lhe dá acesso à narrativa, e nos colocar de volta a uma Alemanha de 1838 foi, talvez, a decisão mais acertada de toda a sua carreira. 

O remake encontra, portanto, seu lugar de destaque nesta era do cinema. Há um certo brilhantismo no jeito de Eggers de conduzir a história e buscar fidelidade ao original foi uma decisão acertada. Nosferatu é conhecido como o ser mais antigo de que temos conhecimento entre os vampiros. Talvez até mais que o icônico Conde Drácula. Contudo, sabe-se também que o nome Nosferatu é apenas uma cópia de Drácula, uma tentativa de fugir dos direitos autorais. O cinema revive mais uma vez. O gênero do terror é, talvez, um dos gêneros mais fluídos e que o que mais consegue se renovar, apresentando sempre uma nova via de escape para surpreender seu público. Ele pode até encontrar aridez em algum momento, mas, de fato, a forma dele de se rearranjar tem nos surpreendido.




Dione Afonso  |  Jornalista


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